28 de novembro de 2015

Sobre "A Lula e o Zeppelin" (VI)

Sobre “A Lula e o Zeppelin” (VI)
Porra, tá difícil terminar esta série... Fico ‘catando’ matérias em jornais que reforcem o que eu já sugeri na letra da paródia e a coisa parece não ter fim, mal eu consigo terminar de processar alguma informação e já aparece outra que me revolta ainda mais e me faz reescrever o que já havia escrito...!
Isso tá ficando cansativo...!
Acabei de ler na Folha de São Paulo (página A9, de 28/11/2015) que o Lula afirmou, na Bahia, que as pessoas devem “se colocar no lugar” da presidente Dilma Rousseff antes de criticá-la...

Porra, não seria o contrário? Ela, que está na condição de Presidente da República e, teoricamente, na posição de representante do povo brasileiro; não seria ela quem deveria estar se colocando na situação do povo?



14 de outubro de 2015

Sobre "A Lula e o Zeppelin" (V)

Sobre “A Lula e o Zeppelin” (V)
Eu pretendia, como escrevi no final da postagem anterior, destrinchar pelo menos mais um conjunto de estrofes da paródia para evidenciar que a composição da mesma foi devidamente pensada e repensada e fundamentada na observação dos fatos; tal coisa pode parecer desnecessária, inútil até (pelo menos pra “quem pensa” e não tem um pensamento político dogmático); mas como já disse antes, isto aqui é dedicado aos que ‘discordam’ do que fiz.
 O fato é que não vou mais gastar palavras destrinchando nada. Comecei a fazer isso apenas para tentar fundamentar as coisas que eu ainda tenho pra falar, sobre ideologia e política, rebatendo a argumentação dos que ‘discordam’ do que fiz; alguns, inclusive, abismados ao pensar em como uma pessoa como eu, um professor de História, possa não ter consciência de que está sendo vergonhosamente ‘manipulado’ pela ‘mídia golpista’ a serviço do grande capital que arquiteta um ‘plano conspiratório’ das elites de direita.
Não acho que eu esteja sendo parte da massa de manobra de ninguém, e o que escrevi até aqui se destinava a tentar, pelo menos tentar, convencer que tal pensamento é improcedente. O que fiz foi de caso pensado, e muito, inclusive considerando até que ponto eu poderia estar sendo manipulado, 'seguindo a onda', sendo seduzido e levado pelo contexto atual.
Mas vou parar de esmiuçar as estrofes por aqui, senão vou passar o resto da vida escrevendo sobre ela. E vou parar por três razões básicas:
Primeiro, porque o texto sobre esse tema já está ficando grande demais, maior do que devia, e além de não querer sobrecarregar demais o leitor eu tenho mais o que fazer na vida, tenho outros projetos e outros afazeres, não quero gastar meu tempo já demasiado escasso tentando explicar a quem não quer explicações aquilo que, pra mim e pra muita gente mais, foi uma paródia muito bem feita;
Segundo, porque o objetivo principal destes textos que escrevo agora é rebater as críticas políticas e ideológicas que recebi, é esse o tema central que quero expor; isto aqui não é pra ser uma aula sobre interpretação de textos, não deveria estar explicando o que fiz, e sim o porquê de eu ter feito o que fiz;
E terceiro, que é o motivo principal: não se passam nem três dias sem que surja algo na imprensa ou na internet que corrobora o que eu já pensava; e eu, então, acabo querendo incluir esse ‘algo’ nos meus textos, o que, além de torná-los maiores do que deveriam ser, ainda me obriga a reescrevê-los; tal coisa acaba por aumentar também o intervalo entre as postagens e me consome mais tempo. Não é só força de expressão eu ter escrito acima que não quero passar o resto da vida escrevendo sobre isso. O assunto parece ser inesgotável, interminável.
Há uns dez dias, por exemplo, li um artigo no editorial da Folha de São Paulo (não me lembro do nome do autor ou da data exata do artigo) onde o autor, se referindo à Operação Lava-Jato, mencionou que ninguém nem mesmo sabia por que razões essa investigação levava esse nome. Pois é, eu sabia. Eu e pelo menos mais vinte milhões de pessoas. Espanta-me que alguém ligado ao jornalismo, num veículo de comunicação de circulação nacional, não tenha sequer se dado ao trabalho de pesquisar tal coisa, o que, a meu ver, é um reflexo a mais da mediocridade na qual se encontra o país. O cara, pelo jeito, sequer procurou saber; a meu ver, bastava ter perguntado, alguém ali por perto deveria saber; não pensou nisso. Eu pensei. E pra quem ainda não sabe, a operação leva esse nome porque começou com a Polícia Federal lá do Paraná investigando uma rede de lavanderias e postos de combustíveis que movimentavam muito mais dinheiro do que se poderia esperar de tal setor da economia (coisa de mais de dez bilhões de reais), envolvendo ‘lavagem de dinheiro’; e, no decorrer das investigações, em meio a prisões preventivas, escutas telefônicas e mandatos de busca, o que era pra ser uma investigação de rotina acabou se alastrando por dez estados num esquema monumental de corrupção que acabou chegando às altas cúpulas do poder em Brasília. Daí eu ter colocado, na paródia, que “...surgiu de longe, silencioso feito um monge...”, e também que “...se infiltrou nos edifícios, achou mais de mil indícios...”. Pois é, eu pensei nessas coisas todas.
Mas vou parar por aqui com esse negócio de explicar o que fiz. Vou procurar me ater ao que pretendia antes de começar a escrever, o que já é muito.
Só mais um outro exemplo, antes de fechar esta postagem, de que no espaço de tempo em que eu tento escrever um capítulo aparece alguma ‘novidade’ que corrobora o que penso e que me faz reescrevê-lo: ainda ontem, a “lula”, em público, procurou defender a sua “cria” justificando as ‘pedaladas’ fiscais como sendo feitas em nome de ‘uma boa causa’.
Não é mesmo uma “cria”? Quem controla os “tentáculos”? O poder está de fato nas mãos de quem detém o poder de direito?



(continua)





4 de outubro de 2015

Sobre “A Lula e o Zeppelin” (IV)

Sobre “A Lula e o Zeppelin” (IV)
Dizem que o ‘pior cego é aquele que não quer ver’.
Errado.
Um cego não pode escolher se quer ou não ver. Pior cego é aquele que continua querendo confiar na visão, que não tem, quando podia recorrer a alguma outra coisa que tem, como o olfato, a audição e o tato, para uma melhor compreensão da realidade. Esse é o pior cego. Aquele que, sendo cego, despreza o olfato, a audição e o tato como se fossem algo que perturba ou prejudica a visão que não tem. Pior cego é aquele que acha que enxerga.
(continua)

Sobre "A Lula e o Zeppelin" (III)

Sobre “A Lula e o Zeppelin” (III)

https://www.youtube.com/watch?v=OApf-2RH6wc

Vejamos, portanto, se naquilo tudo o que eu compus há algum elemento do qual se possa, sensatamente, ‘discordar’; se há algum ser que, sendo pensante, não devesse ou não pudesse ter concluído o que eu concluí com os dados disponíveis.
(Não vou relacionar aqui todos os vídeos que atestam os dados que usei como matéria-prima pra compor, estão todos disponíveis na internet; até pensei em fazer isso, mas desisti: iria sobrecarregar demais a postagem, iria consumir um tempo que me é precioso para escrever, e são vídeos suficientemente abundantes e públicos para que qualquer um os busque; isto aqui não é uma tese, é uma explicação.)
Para falar apenas dos casos mais notórios, desde os tempos do ‘mensalão’: todos os envolvidos na imensa rede de falcatruas dentro do próprio Estado não estavam, diretamente, desde épocas imemoriais, ligados ao ex-presidente, como os ‘tentáculos da lula’?
Esses mesmos ‘tentáculos’, hoje sabidamente ‘gigantes’, não ‘encobriam mistérios’ que hoje estão vindo à tona? Ele próprio, o Lula, ainda que apenas com o seu carisma (que ele inegavelmente tem), não contribuía para ‘encobrir todo mistério’?
E esses tentáculos não ‘sugavam a riqueza que encontravam, como fosse inesgotável’? E não estamos vendo, hoje, que continuam achando ‘inesgotáveis’? Que basta aumentar os impostos e tudo se resolve? Não estamos vendo que nós, a esgotada fonte da tão escassa riqueza que sustenta tantos parasitas, estamos nos consumindo apenas para que possamos continuar sendo consumidos? Como se existíssemos apenas para fornecer, sempre e de forma incontestável, os recursos que garantam a eles próprios continuarem existindo em função prioritariamente de si próprios...!
A Dilma não é ‘cria’ do Lula? Não foi graças a ele que ela se elegeu? Chegaria ela sequer perto de ter tantos votos se não fosse o apoio dele? A ‘cria’ não ‘se assumia mesmo como cria’? Ela não afirmou, em público, que “o presidente Lula não precisa voltar, porque ele nunca saiu”? Ou fui só eu que vi isso e se trata de um delírio? Não é isso uma imensa falta de ‘pudor por sua imagem’, falar o que falou como se dissesse ‘estou na Presidência, mas não sou Presidente’? Sou apenas ‘marionete’? E se assim é, se ele de fato "nunca saiu" e ela própria admitiu isso, não seria razoavelmente óbvio concluir que o principal responsável por tudo isso é ele?
Não há uma quantidade inumerável de declarações ‘estupidificadas e xucras’ da 'cria', públicas, espantosamente reais e devidamente registradas e disponíveis?
Tudo nesta postagem, até aqui, foi só pra tratar do primeiro conjunto de estrofes; que são, como já disse, trabalhosamente pensados, rimados, metrificados e estruturados.
Mas vou continuar por mais um conjunto, pelo menos; pra poder deixar bem evidente que o todo que fiz não foi um rompante de devaneio. Daí pra frente, quem quiser encontrar coerência entre o que eu fiz e o que acontece que busque sozinho. Que pesquise por conta própria. Ou que volte pra escola pra estudar literatura, redação e interpretação de textos.
Porque a realidade é só a matéria-prima da arte, não é a arte em si; e se ‘a vida imita a arte’, é por usá-la como farol. Ilumina. Abre os olhos. Dissipa nevoeiros.  A ciência nos ensina como percorrer o caminho, mas é a arte que nos orienta.


(continua)





30 de setembro de 2015

Sobre "A Lula e o Zeppelin" (II)

Sobre “A Lula e o Zeppelin” (II)

Continuando, antes alertando, porém, que o texto, como um todo, pode parecer um pouco truncado; mas, como falei na postagem anterior, quero abordar uma variedade relativamente grande de comentários.
Em nenhum momento eu fui (ou pretendi ir) além de simplesmente contar uma história; história essa, aliás, que a mídia inteira também está contando, juntamente com um monte de outras pessoas através da internet. Não sou só eu. Mesmo as coisas que fui deduzindo ao compor a letra, hoje me parecem comuns a várias outras pessoas. O que há de diferente, no meu caso, é só a forma, a maneira de contar, de contar o que já está na boca ou nos ouvidos do país inteiro. Não propus nada, não instiguei nada, não pleiteei nada, não pedi nada. Concluíram, sei lá com base em quê, que eu queria impeachment, renúncia, intervenção militar, golpe de Estado, rebelião... Não pedi nada. A única parte que pode ser interpretada como estando perto de eu ter pedido alguma coisa está no final da letra, quando eu falo em ‘sensatez’ e ‘liberdade’; mas falo de coisas que é preciso ter agora, enquanto elementos que considero necessários para a atual situação; não peço, mas isso pode, sim, ser interpretado como um pedido. Mesmo o ‘joga pedra’ e o ‘joga bosta’ não é um pedido, é só a expressão manifesta de um sentimento; e coletivo, pelo jeito (alguém aí concluiu que o Chico Buarque, na letra original, pedia que a Geni fosse apedrejada ou embosteada?).
Não pedi nada, repito. E se pedi foi só sensatez e liberdade.
Também não analisei nada, a não ser a coerência entre as estrofes que fazia e as informações sobre fatos aos quais eu tinha (e tenho) acesso. Alguns levaram a coisa para o campo ideológico (vou esmiuçar essa questão mais adiante, mas já adianto que errou feio quem concluiu que eu, por criticar alguém que se diz de esquerda, esteja defendendo a direita); em nenhum momento eu cheguei sequer remotamente perto de fazer qualquer referência, ainda que indireta, a alguma ideologia, qualquer que seja ela. Mas fui rotulado de reacionário, conservador, direitista, fascista, e mais um monte de outros conhecidíssimos adjetivos que a pseudo-esquerda brasileira gosta de atribuir aos outros. Não sou nada disso, nunca fui; fascismo e tudo o que lhe pode ser sequer semelhante me enoja, me dá náuseas, e qualquer estudante que seja ou já tenha sido meu aluno pode atestar isso. E se algum deles pensou isso de mim errou, me interpretou mal, não compreendeu o que fiz; e é por isso, em parte, que publico esta justificativa. Como professor, sinto-me na obrigação de esclarecer (já tentei isso em breves textos em algumas redes sociais, mas pelo jeito não surtiu muito efeito). Ainda vou retornar a esta questão político-ideológica, repito.
O que eu fiz foi arte, não política. Contei uma história através de rimas e versos dentro de uma música. E isso, até onde eu sei, é arte; pode ser medíocre ou não, mas é arte, uma interpretação esteticamente estruturada das coisas. Usei a política como enredo, sim, e isso é evidente; mas não foi no aspecto partidário ou ideológico, foi no aspecto moral. É previsível que a letra, envolvendo fenômenos políticos, acabe por ser usada para fins políticos, isso é óbvio, não sou ingênuo a ponto de não ter pensado nisso antes de fazê-la e publicá-la (tanto que eu termino o vídeo com a expressão, em latim, “a sorte está lançada”); porque não há como saber de antemão, exatamente, que impacto uma determinada obra vai ter; as previsões são vagas, não exatas (eu imaginava que iria provocar polêmicas políticas, por exemplo, mas saber exatamente quais estava fora de alcance; tanto que estou tentando me explicar; e não é o ‘Pupo compositor’ quem faz isso, é o ‘Pupo professor’). 
A mensagem foi transmitida, o recado foi dado. O meu recado. A minha interpretação das coisas. Alguns vão gostar, outros não, e isso eu considero admissível, pertinente, cabível; mas não sei se posso dizer o mesmo no que se refere a discordar ou concordar. Discordar do quê? De uma interpretação que é minha, como já falei? Do tesão intelectual que eu tive em expressar as coisas como eu as vejo? A interpretação de Picasso sobre o episódio em Guernica, por exemplo, que é suficientemente conhecida. Eu, particularmente, não gosto da obra, não faz meu estilo. Mas dá pra discordar de Picasso? Ele adulterou os fatos? Ou somente os interpretou a seu modo (que, aliás, não era só seu)? Os nazistas, com certeza, não interpretaram o mesmo episódio da mesma forma, com certeza também não gostaram da obra e com certeza também discordaram dela. Mas caberia discordar? Seria cabível? Picasso se enganou? Errou? Foi injusto? Foi falso? (Veja mais adiante argumentos específicos sobre o que pode ser elemento de discordância na paródia)
O que eu fiz foi só um exercício de criação. Escolhi um tema, encaixei numa música que já conhecia, e pronto. Um simples exercício de criação. E trabalhoso, diga-se de passagem. Não no que se refere à inspiração, a inspiração é intuitiva, vem num repente, não dá trabalho nenhum; dá até prazer, é um gozo que fecunda; trabalhoso é o depois, é o desenvolvimento do feto. Pois bem, eu, depois da inspiração, consumi mais de três meses ‘ruminando’ ideias, rascunhando, reconsiderando, corrigindo, testando rimas, remodelando frases, encaixando palavras, vasculhando sinônimos, conciliando letra e melodia, ajustando estrofes e rimas a um contexto real e não fictício (o que é bem mais difícil, já que me propus a não ‘inventar’ coisas só pra caber nessa ou naquela métrica, pra não ter que trocar essa ou aquela rima); tentei, enfim, arquitetar uma história coerente com começo, meio e fim, embasada na realidade conhecida e em versos rimados, numa estrutura musical grande, com 28 estrofes. Só um exercício de criação artística, tendo uma situação moral num fundo político como enredo.
E acho que fui bem-sucedido.
Deturpei ou adulterei a realidade? Não, não fiz isso, nem como ‘licença poética’; o que eu contei está na mídia toda, na imprensa toda, na boca e nos ouvidos de todos. As deduções são todas minhas, e ainda que condizentes com o que boa parte das pessoas já pensava, são minhas; e minha matéria-prima foi o conjunto de fatos dos quais posso tomar conhecimento pela imprensa. Se deduzi errado, foi por ter acesso apenas aos fatos que estão disponíveis, e que podem não ser a totalidade dos mesmos (daí eu ter dedicado um parágrafo inteiro, na postagem anterior, sobre dedução; tal método tem limites). Posso ter errado nas conclusões, mas se errei foi por falta de dados mais precisos. No geral, já pensei um bocado (antes, durante e depois de ter feito a letra), e continuo achando que não errei em nada. Aliás, é o que vou continuar achando até que alguém me apresente argumentos estruturados o suficiente pra me fazer mudar de ideia; argumentos, não afirmações teimosas de quem imagina ser o próprio Noé conduzindo a arca com a louvável responsabilidade de salvar a todos os que estão lá dentro e que nem sabem o que está acontecendo; argumentos, não chavões ou conceitos pré-estabelecidos como se fossem verdades bíblicas vindas de um deus infalível; argumentos, não informações sobre fatos cuja veracidade é só uma suposição tanto pra mim quanto pra quem me critica, pelo menos por enquanto (conheço um bocado sobre os meandros do poder para afirmar que, fora dele, nada é conhecido com certeza absoluta a não ser pela ótica da História: meu pai foi assessor do ministro do Interior em Brasília e eu trabalhei lá por quase cinco anos);  argumentos, não ofensas ou rótulos cujos significados, em boa parte dos casos, não são plenamente conhecidos por quem os pronuncia; argumentos, não desculpas indulgentes que se proponham a justificar o injustificável; argumentos, não constatações complacentes de que as coisas são assim mesmo e não poderiam ser de outra forma.

Continua...
(eu falei que ia longe...)




27 de setembro de 2015

Sobre "A Lula e o Zeppelin" (I)

Sobre “A Lula e o Zeppelin” (I)

Vamos lá. O link para o vídeo está logo abaixo do título da postagem pra quem quiser conferir o que eu vou expor.
Este texto é uma justificativa, talvez não muito breve, sobre a paródia que publiquei há cerca de um mês. Acho que devo isso, principalmente a meus alunos e/ou ex-alunos. Fui alvo de vários comentários (uns públicos, outros não,) a maioria elogiando (alguns, porém, desenvolvendo um raciocínio que eu mesmo não desenvolvi), mas alguns criticando (e eu imagino que, para cada crítica sobre a qual tomei conhecimento, devam existir algumas outras mais, não manifestas); daí esta justificativa, estou imaginando quantos mais não criticaram o que fiz sem nunca se manifestar, e quantos outros, ainda, não estão falando em meu nome coisas que eu, em verdade, não disse nem quis dizer.
O fato é que algumas dessas críticas, ainda que poucas (e digo o mesmo de alguns dos elogios, também) abordavam a questão de maneira tão desvinculada daquilo que eu efetivamente quis dizer que eu, a princípio, me espantei com tamanha variedade de conclusões (daí, em parte, a demora em publicar este artigo, tive que repensar uma porção de outras coisas): não cheguei nem perto de permitir concluir o que alguns concluíram, tanto em termos de elogio quanto de crítica.
Ou seja, posso admitir, agora, que esta exposição vai ser longa, como eu imaginava; tanto que pretendo publicá-la em mais de um bloco pra não tornar a leitura muito cansativa. Quero abarcar todo o leque de suposições que eu puder. Afinal, trata-se de mim mesmo e eu me considero extremamente importante pra mim, o suficiente pra dizer que não sei o que seria de mim sem mim. Eu realmente não sei. E pode parecer presunção, mas o mundo inteiro me seria um nada sem mim.
Pra começar, pude perceber um traço comum a alguns tipos de elogios e de críticas: a referência à minha ‘inteligência’. Ainda que de forma não explícita, uns refletiam uma certa ‘decepção’ a meu respeito, como se pensassem; “Admirava tanto a sua inteligência, mas agora... Que desilusão...! ”; e outros, ao contrário, talvez em singela e sincera admiração, pareciam estar dizendo: “Esse cara é mesmo um gênio! ”.
Eu, definitivamente, não me considero nem uma coisa nem outra, nem um estúpido e nem um sábio, apesar de me ser agradável imaginar, de vez em quando, que sou um gênio pouco reconhecido (vaidade todo mundo tem um pouco); penso a respeito de mim mesmo que sou apenas curioso, nada mais; li muito, estudei muito, viajei muito, convivi com quase todo  tipo de gente, da ralé à elite, busquei muito, conheci muito, aprendi muito, e questiono muito; tanto que chego a ser insuportavelmente irritante pra boa parte das pessoas que convivem comigo.
Sobre esse aspecto específico dos comentários, pra começar, vou perguntar: o que é ‘inteligência’?
De acordo com o dicionário, é o ‘conjunto de todas as faculdades intelectuais (memória, imaginação, juízo, raciocínio e concepção). ’
Inteligência é saber deduzir? Penso que, em parte, sim, mas apenas em parte; deduzir é somente um método de raciocinar, um método filosófico cujo nome é antiquíssimo, aristotélico; qualquer um que treine o suficiente saberá fazer isso. É só uma questão de treinar a própria mente (“tudo é treino”, como dizia meu amigo Carlos Gaspar). Vou enfatizar que é só um método, uma maneira de raciocinar; e ainda que seja o melhor que já apareceu ao longo da história, é só um método; mas presta-se ao conhecimento da realidade em termos contextuais, não absolutos; é algo que se presta a confirmar se essa ou aquela abordagem, elaborada a partir das informações disponíveis que podem ser conhecidas por este ou aquele observador, se encaixa num modelo que pode, de fato, representar a realidade. Só que as tais informações disponíveis podem não ser a totalidade das que são necessárias para uma correta interpretação da realidade. Ou seja, deduzir expõe mais a relação que se tem com essa ou aquela realidade do que a realidade em si. A realidade, mesmo, só a conheceremos ao longo da História (e, ainda assim, só as mentes lúcidas serão capazes de tal coisa, já que a História, ela própria, é resultante da interação com a realidade).
Inteligência é assimilar informações? É; em parte, mas é. É questionar? Certamente. É intuir? Um pouco. É criar? Também. É um pouco de tudo o que o dicionário diz, mesmo.
Dito isto, devo admitir que essa paródia acabou fazendo com que minha ‘inteligência’ (ou a falta dela) ficasse atrelada, e muito, aos julgamentos dos outros, alguns deles absurdamente desconexos. E antes de continuar, já que tudo o que escrevi até aqui é meramente uma introdução, vou repetir que não me considero nem estúpido nem sábio, só curioso; um meio-termo entre a ignorância e a sabedoria, uma ponte entre essas duas coisas. Talvez por isso, inclusive, eu goste tanto de fazer o que faço pra ganhar dinheiro; abandonei há muito tempo todas as pretensões de ir além; gosto do que faço e, principalmente, para quem eu faço; deixo mestrados e doutorados para os outros. Sou ponte, tenho plena consciência disso. Posso afirmar tal coisa, com certeza quase absoluta, porque é somente isso que eu busquei ser a vida inteira, ainda que de forma inconsciente. Ponte. Nunca quis ser outra coisa. Só ponte. Considerem-me como tal. Ligo, uno, conecto. Não sou meta, não sou ponto de chegada. Nunca quis ser. Contento-me em ser o que sou. Ponte. Algo a ser transposto. Quem quiser chegar a algum lugar que me use. Não sou lugar, não sou destino. Sou caminho.
Assim sendo, tenho vários recados a quem se desiludiu com a minha ‘inteligência’, seja fazendo a paródia ou expondo esta justificativa, e também a quem propagou como se fossem minhas as palavras e as ideias que eu sequer sugeri.

(continua)


7 de setembro de 2015

17 anos

17 anos


E se eu tivesse 17 anos, hein...? E se eu tivesse 17...? Não um 17 qualquer, desses que se vê por aí nos manuais, cheios de asteriscos e notas de rodapé, desses que são assinados por um profissional em psicoalgumacoisaqueeunãoentendo...! Não, não um desses 17, formal e rigorosamente composto pra ser uma tese, mas um 17 como eu gostaria que fosse...! Um 17 meu, somente meu, meu e comunitário como o de todos, sem diploma, sem TCC e nem pós-graduação,,,! Um 17 como se a vida fosse mágica, como eu pensava, e não decisiva, como todos me diziam...!
Decisiva ou mágica, esse era o drama: era mágica como eu queria ou decisiva como eles pensavam...? Mágica ou decisiva, eis a questão...!!! Eu achava que a magia era decisiva, ou que a decisão era mágica, sei lá... Nem sabia que 17 era um número tão poderoso...! Era mesmo uma idade...?
Talvez eu tivesse 17 anos...
Ouvia tantas coisas...! Tantos futuros estavam disponíveis...! Serão mesmo os mesmos caminhos? Ter 17 anos agora é o mesmo que ter 17 anos há 30 anos atrás? Ou daqui a trinta anos...? Somos todos tão iguais assim? É só isso? Ter 17 anos?
Como é simples!!!
Chegar aos 17 e tudo estar resolvido!
Pena que eu não soube escolher...! Hoje penso que a culpa é minha, só minha...! Passei pelos 17 sem me tocar da responsabilidade que era estar com 17...! Que pena...! Me disseram tantas coisas...! Tantos caminhos me foram ofertados...! E eu, com meus 17 anos, não soube escolher direito...!
Tsk, tsk...! Tadinho...! Tem só 17...!
Como é que era mesmo? Você tem tudo ao seu alcance, seu futuro todo está ao seu dispor...!! Cabe a você, agora, saber fazer a escolha certa...! Ninguém pode decidir por você! É o seu futuro, pense bem! Já está com 17...!
Já...? Nossa...!
Ah...! Se eu soubesse que dá pra ter 17 pra sempre...! Quanto do decisivo eu não teria abandonado em nome do que aos 17 era apenas e nada mais que magia...! Porque descobri que apenas a magia é duradoura... Que os 17 são eternos... Que apenas as decisões são efêmeras... Sim, são efêmeras... Passam, desaparecem assim que são tomadas... Depois é só o depois... A magia dos 17 não... A magia dos 17 é um agora esticado ao máximo pra caber o sempre...




8 de agosto de 2015

A Lula e o Zeppelin (paródia)

A Lula e o Zeppelin
(paródia)
De tudo o que é ministério
Encobriu todo mistério
Com tentáculos gigantes
Era tanta sacanagem,
Vigarice e trambicagem,
Que na história, nunca antes.
E os tentáculos sugavam
A riqueza que encontravam
Como fosse inesgotável
E ao sair da Presidência
Nos legou sem complacência
Uma cria deplorável.
E essa cria se assumia
Como, mesmo, simples cria
Sem pudor por sua imagem.
Era estupidificada e xucra
Marionete de quem lucra
Com a imensa ladroagem.
Joga pedra no Luís,
E na cria do Luís,
Ele é feito pra enganar,
Ela é feita pra mentir;
Ele enrola qualquer um
Maldito Luís.
Um dia surgiu de longe
Silencioso feito um monge
Um enorme Lava-Jato
Se infiltrou nos edifícios
Achou mais de mil indícios
De propina a peculato.
E o palácio do Planalto
Ficou logo em sobressalto
Disse: ‘agora o bicho pega!’
E numa investigação tão vasta
A Justiça disse: “Basta!
Já cansei de ser tão cega.
Quanta desonestidade!
Quanto horror e iniquidade!
Quero a todos condenar.
Mas vou reduzir a cana
De quem devolver a grana
Se essa lula se explicar...”
Essa lula era o Luís
Mas não pode ser Luís
Ele é feito pra enganar
Ele existe pra iludir
Ele enrola qualquer um
Maldito Luís
Mas a lula se escondia
Lisa, esguia como enguia,
Não queria se mostrar.
Seus tentáculos cobria,
Seus oráculos ouvia...
Planejava se safar
Mas o cerco se fechava,
A Justiça rodeava...!
Tudo em volta desabando
Doleiros presos à teia,
Empresários na cadeia,
Delatores confessando...
Ao sentir tal ameaça
A quadrilha toda, em massa,
Foi lamber a sua mão;
Deputados de joelhos,
Ministros de olhos vermelhos
E empreiteiros com um milhão
Abre o bico, vai Luís,
Livra a gente, vai, Luís!
Você pode nos salvar,
Você vai nos redimir...!
Você enrola qualquer um,
Bendito Luís!
Eram tantos os transtornos,
Ameaças de subornos...!
Que a lula se perdia...
Se esquivava de quem pensa,
E pra quase toda a imprensa
Tinha só demagogia
De quem fez tanta sujeira
E lambuzou a pátria inteira
Até ficar saciado
E a curriola inteira
Esperava, sorrateira,
Se livrar do lava-jato...
Mas o fim de tal história
Desta nossa pátria inglória
Ainda está por ser escrito...
Basta um pouco de vontade,
Sensatez e liberdade
Pra entoar o nosso grito
Joga bosta no Luís
E na cria do Luís
Ele é feito pra enganar
Ela é feita pra iludir
Ele enrola qualquer um
Maldito Luís!




s.

21 de julho de 2015

Breve Consideração sobre Tempo e Vontade


BREVE CONSIDERAÇÃO SOBRE O TEMPO E A VONTADE

Passamos pelos primeiros anos da vida sem fazer tudo o que queremos porque não nos deixam; pra depois continuarmos sem fazer tudo o que queremos, por um bom tempo ainda, porque temos que fazer um monte de outras coisas que, no fundo, não queríamos ter que fazer; e terminamos a vida ainda sem fazermos tudo o que queremos, mas porque não conseguimos mais. E considerando também que há o que queremos mas não devemos fazer...

Disso tudo, sobra o quê? Uns dez anos de plenitude de vontade?

E o tal do ‘livre-arbítrio’, como fica?



19 de fevereiro de 2015

Um Texto de Petrônio


 
 
UM TEXTO DE PETRÔNIO
O texto a seguir não é de minha autoria, como o título desta publicação sugere. É um trecho da obra “Satiricon”, escrita no século I d.C. por Petronius, que é considerado um dos primeiros romances realistas da literatura ocidental. Resolvi transcrevê-lo porque, além de parecer coerente com a realidade de hoje, encaixa-se bem no propósito deste blog, que é o livre-pensar.
Trata-se de um diálogo entre Encólpio, personagem que narra a estória, e seu mais novo companheiro Eumolpo, que no enredo é um poeta rejeitado. Segue o trecho:
“... Perguntei a Eumolpo a que ele atribuía a decadência das belas-artes em nosso século.
“— O amor à riqueza — disse-me ele — produziu esta mudança. Na época de nossos ancestrais, quando só ao mérito se prestavam honrarias, floresceram as belas-artes, e os homens disputavam entre si a glória de transmitir aos séculos seguintes todas as descobertas úteis. Então, viu-se Demócrito, o Hércules da ciência, destilar o suco de todas as plantas conhecidas, e passar a vida inteira a fazer experiências para conhecer a fundo as diversas propriedades dos minerais e dos vegetais. Eudóxio envelheceu no cume de uma montanha, para observar mais de perto os movimentos do céu e dos astros; e Crisipo tomou três vezes heléboro, para purificar o espírito e torna-lo mais apto a novas descobertas. Para retornar às artes plásticas, lembremos que Lisipo morreu de fome, definhando para aperfeiçoar os contornos de uma única estátua; e Míron, que fez, por assim dizer, passar para o bronze a alma humana e o instinto dos animais, não encontrou ninguém que quisesse aceitar sua herança. Enquanto isso, nós, que chafurdamos na devassidão e na bebedeira, não ousamos sequer nos elevar ao conhecimento das artes inventadas antes de nós. Soberbos detratores da Antiguidade, professamos apenas a ciência do vício, da qual nos fornecem simultaneamente o exemplo e a lição. Que aconteceu com a dialética, a astronomia, a moral, essa rota segura de sabedoria? Quem, hoje, vemos entrar num templo para atingir a perfeição da eloquência, ou para descobrir as fontes obscuras da filosofia? Não se pede mais aos deuses nem mesmo a saúde. Segue essa turba que sobe ao Capitólio: antes mesmo de chegar ao limiar do templo, um promete uma oferenda se tiver a felicidade de enterrar um parente rico; o outro, se descobrir um tesouro; um terceiro, se conseguir, antes da morte, juntar trinta milhões de sestércios. Mas que digo eu? Não tens visto frequentemente o próprio Senado, árbitro da honra e da justiça, votar uma verba de mil marcos de ouro para Júpiter? Não parece encorajar a cupidez, tratando assim, a preço de dinheiro, de tornar o céu favorável? Não te espantes, pois, com a decadência das artes, pois tanto os deuses como os homens acham mais encanto num lingote de ouro do que em todas as obras-primas de Apeles, de Fídias, e de todos os outros ‘pobres tolos gregos’, como eles os chamam...”
Petrônio, o autor do texto acima, morreu no ano 66 d.C.
Alguma semelhança com o mundo atual?
 
 

21 de janeiro de 2015

O Fator Mãe


O Fator Mãe

Eu dormindo.

Não sei dizer desde quando, afinal de contas dormir pressupõe inexistência de tempo, pelo menos até o despertador avisar que há um vínculo o entre seu sono e as horas do mundo. Só que num domingo, dia em que até os despertadores, normalmente, estão de folga; ou seja, um dia que existe para não se fazer nada, exceto no caso daqueles infelizes que têm algum compromisso, seja por necessidade ou seja por algumas taras incompreensíveis que se infiltram na sociedade (taras essas, aliás, muito bem justificadas por alguns dos tarados, algumas até com embasamento teórico quase acadêmico: estou ficando velho e com a velhice o sono diminui, eu sempre acordei cedo e minha mente já está programada pra isso, meus olhos percebem a claridade do dia mesmo por detrás das pálpebras, e vai por aí afora...).

Domingo é um dia pra não se ter compromisso com nada, principalmente com a hora de acordar; e isso apesar de existirem alguns infelizes (necessitados ou tarados) que acordam antes do cérebro e sistematicamente sentem uma compulsão incontrolável de telefonar pra você (cedo, é claro) pra perguntar o que você pretende fazer depois do meio-dia, quando você, aí sim, já estaria acordado.  E nesses casos, eles (os tarados), educadamente, perguntam se você já estava acordado; acrescentando, logo em seguida, e na maior cara de pau, que já tinham te mandado um whatsapp antes (lá pelas seis da madrugada, com certeza), mas que, como você não respondeu, resolveram então telefonar (a impressão que dá é que a falta de resposta cria uma histeria no sangue deles) ... E aí você fica tão sem reação que simplesmente murmura: ‘Ah, não vi’ ...! Como se a bosta do aparelho não apitasse, vibrasse ou acendesse pra te dar um beliscão no cérebro.

Mas voltando: eu dormindo. Domingão. O despertador hibernando tanto quanto eu, celular estrategicamente desligado pra não ser perturbado (planejamento é tudo) e não sou nem tarado e nem necessitado.

Dormindo. Dormindo o sono premeditado e prazeroso dos despreocupados e preguiçosos.

Esqueci o fator mãe.

Pálpebras hermeticamente coladas, acordei com um barulho dentro do quarto que parecia o vai-e-vem de uma barata procurando o histórico escolar de 1927 no sótão (sei que sótão existe porque já vi filmes de terror). E dava pra perceber que já era dia claro (eu estava com as pálpebras coladas, tudo bem, mas olhando pelo lado de dentro, realmente, dá pra concluir se do lado de fora há claridade ou escuridão: pálpebras avermelhadas, claridade; pálpebras pretas, escuridão). Enfim, mesmo com os olhos fechados deu pra concluir que não era meia-noite. Deu pra concluir, também, que só podia ser a minha mãe, porque não havia mais ninguém em casa, porque uma barata não faria tanto barulho, porque não estudei em 1927 e também porque não tenho sótão em casa.

Ainda fiquei com as pálpebras coladas, tentando me fazer de desentendido, esperando pra ver (ou melhor, esperando pra não ver) se o vai-e-vem demoníaco terminava para que o quarto voltasse à condição suprema e sagrada de um ambiente de penumbra, quietude e ausência total na solidão do nada.

E nada.

O vai-e-vem continuava.

Resolvi, finalmente, abrir os olhos (ou ‘descolar as pálpebras’, se você quiser uma criatividade mais erudita) e perguntar, solenemente, grotesco como se fosse um ‘Zé Ramalho’ arrotando:

Que foi, mãe...?

— Tô pegando a roupa suja pra lavar — respondeu ela, naquele tom ‘escrava Isaura’, querendo dizer ‘se não sou eu nesta casa...!’ (e repare que as reticências, nesse caso, imediatamente induzem a interpretar que o que ela está realmente dizendo é: ‘Vagabundo...!)

E aí então você, na ingenuidade do seu recém despertar, como se não soubesse que quem quer sossego deve ficar de boca fechada (ainda mais em se tratando de mães), pergunta bestamente:

— Mas mãe, precisa pegar roupa suja agora? Dentro do meu quarto? (o que você quer mesmo dizer é: ‘Cacete!, não vou precisar de roupa limpa agora!’)

E ela, como se já tivesse premeditado tudo o que fosse falar, prontamente te responde, de forma satanicamente provocante:

— Preciso pegar agora porque quando você precisar vai estar pronta na hora em que você precisar (percebeu a ênfase, não?).

— Mãe, se eu fosse precisar de alguma roupa limpa eu avisava, ou então colocava no cesto de roupa suja...!

Ela não retruca. Não ouve ou finge que não ouve. Continua fuçando, fuçando, fuçando... Depois pára, bem no pé da sua cama, de frente pra você. Ergue a calça que você, num gesto raramente ordeiro, colocou lá antes de dormir pra poder usar no dia seguinte (a mesma calça que você só tirou do guarda-roupa depois do banho de ontem, pra cair na noitada, e que pra você continuava limpa). Mas ela levanta essa calça com as duas mãos, conseguindo sei lá como enxergar alguma coisa na penumbra, e diz:

— Esta calça aqui, por exemplo...

— Que é que tem, mãe?

— Esta calça é pra lavar?

— Não, mãe, tá limpa, se fosse pra lavar eu tinha colocado no cesto...

— Mas parece que tá suja...

— Não tá, mãe, já falei, se estivesse suja eu tinha colocado no cesto...

— Mas parece suja...

— Não tá, mãe, tirei do guarda-roupa ontem à noite, só usei pra ir pro barzinho...

— Então tá suja, se você já usou...!

— Mãe, só usei essa calça por umas 3 ou 4 horas, tá limpa...!

— Quatro horas é muito, vai saber o que você andou fazendo com essa calça.

— Nada, mãe, não fiz nada, só sentei com ela no barzinho! E o que eu queria mesmo era ter podido tirar essa calça!

— Então não tá suja?

— Não, mãe, não tá, se tivesse suja eu tinha colocado no cesto!! Coloquei aí no pé da cama justamente pra poder usar de novo no dia seguinte!

— O dia seguinte é hoje.

— Tá bom, mãe, então o dia seguinte é hoje e eu coloquei aí ontem pra usar no dia seguinte que é hoje...! Mas não tá suja, deixa aí que eu vou usar de novo no dia seguinte de ontem que é hoje...!

— Mas vai usar esta calça?

— É, mãe, essa calça!! (paciência acabando e eu nem lembrava mais que tinha pálpebras!)

— Esta?

— É, mãe, ESSA, essa calça aí que tá na tua mão!!

— Mas não tá suja?

— Não, mãe!, não tá!! Se tivesse suja eu tinha colocado no cesto...!!!

— Mas e isso aqui, ó... (como é que enxerga na penumbra?) Parece uma mancha...

Veio pra perto da cabeceira da cama e me colocou a maldita calça perto dos olhos (lembrei que tinha pálpebras):

— Isso aqui não é uma mancha?

— Não, mãe, só parece... É o jeitão do jeans, mesmo...!

— Será...? Parece mostarda... (como é que pode?)

Puxou a calça de volta pra si, pra perto do nariz. Ficou farejando um segundo e meio e depois continuou:

— Mas e esse cheiro...?

— Que cheiro, mãe...? (sem paciência nem esperança)

— Esse cheiro aqui, ó... — tornou a colocar a calça na minha fuça.

— Não tô sentindo cheiro nenhum, mãe...

— Cheiro azedo...! Como é que você não está sentindo?

— Mãe, não tô sentindo nada...!!! Nem cheiro nem mancha...!

— Pra mim tá suja e fedida...

Desisto.

— Então tá bom, mãe, tá bom...!!! Pode por pra lavar...!!!!

Mas se tá suja e é pra lavar, porque você não colocou no cesto de roupa suja?!

Rendição. Incondicional. Psicólogos de plantão que me digam como um diálogo desses pode acontecer. Vão dizer, talvez, que ela só estava um pouco carente, queria puxar conversa. Literalmente, ‘lavar a roupa suja’.
 
Domingão.