13 de janeiro de 2016

Final de "A Lula, o Zeppelin e o Reino da Mediocridade"




A Lula, o Zeppelin e o Reino da Mediocridade
(continuação)
Continuando. E este aqui também vai meio truncado, meio longo, meio sem preocupação literária e meio a fim de encerrar logo com este assunto.
Tendo analisado e exposto de forma suficientemente clara, penso eu, o meu posicionamento político em relação ao lulopetismo, passo agora a analisar a questão pelo ponto de vista ideológico, dizendo, novamente, que é esse o elemento que mais me incomodou nas críticas que recebi à paródia.
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Esses, que me criticaram em bases pseudo-ideológicas, levaram a coisa para um rumo que não tracei, desenvolvendo uma linha de raciocínio que não é a minha e concluindo absurdos que eu, nem de longe, sequer sugeri; fui rotulado, explícita ou implicitamente, de reacionário, conservador, direitista, burguês e tudo o mais que se puder pensar como sinônimo de ‘inimigo das esquerdas’.
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Imagino que isso tenha ocorrido porque, considerando o tipo de argumentação que li ou ouvi, dá pra concluir, sem muito esforço, que quem me criticava (anonimamente ou não) era um defensor das ‘esquerdas’, supostamente representadas pelo PT; e, dentro dessa lógica, qualquer crítica ao petismo (ainda que numa simples paródia) poderia mesmo ser considerada como coisa ‘das elites’, como ‘discurso burguês’ de quem é anti-esquerda e, teoricamente, contra o povo.
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Mas a coisa não é bem assim. Além de eu não ser um defensor ‘da direita’ (e eu efetivamente não sou), se o petismo/lulismo é a representação das esquerdas, então minhas noções de direita e esquerda estão completamente equivocadas; ou então eu sou o Peter Pan vivendo na Terra do Nunca, porque a única coisa que eu considero como sendo de esquerda no petismo é o discurso; e mais nada; não reconheço nele nem postura, nem atitude e nem ideologia de esquerda.
O lulopetismo, pra mim, é só uma versão reeditada e mal feita do populismo.
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Até onde eu sei, a esquerda real deveria envolver, em atitude e pensamento, pelo menos em algum nível, elementos do socialismo e/ou do anarquismo que não estivessem somente no discurso, além de possuir alguma relação, direta ou indireta, com o jacobinismo francês da Revolução de 1789 (que é, aliás, de onde vem o uso das palavras ‘esquerda’ e ‘direita’ pra identificar essa ou aquela corrente político-ideológica).
Não vou aqui discorrer sobre História ou Filosofia, mas pense em Marx, Engels, Fourier, Proudhon, Babeuf, Kropotkin, Bakunin, Lênin, Trotsky, Malatesta, Che Guevara, Mao Tsé Tung... E, especificamente no Brasil, Luís Carlos Prestes e Carlos Marighella, ambos perseguidos e presos várias vezes justamente por serem comunistas... Esses caras todos que eu citei, bem suas ideologias, são ‘de esquerda’, não são? Seria possível discordar disso?
Acho que não.
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Pois bem, se eu estou pensando corretamente e esses caras todos são, de fato, representantes fidedignos da esquerda, o que comporia (ou deveria compor) essa esquerda?
O combate ao capitalismo, suas desigualdades econômicas e sociais, e sua economia de mercado; o combate ao clericalismo (podendo chegar ao ateísmo); o combate ao lucro, ao predomínio do capital, à exploração sobre o proletariado e aos privilégios das elites em geral (incluindo aí o clero); o combate ao latifúndio e a execução de uma reforma agrária; a fundamentação ideológica em conceitos como a mais-valia e a luta de classes...
Estou falando besteira?
Se não estou, e se isso que eu citei acima pode ser realmente considerado como sendo verdadeiramente ‘a esquerda’, ‘a direita’ seria necessariamente, então, o oposto disso tudo: a defesa do capitalismo, do lucro, do mercado, da propriedade privada, do nacionalismo, do elitismo e etc.
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Ora, disso tudo o que eu citei, o que é que existe no petismo que pode realmente ser considerado ‘de esquerda’, além da retórica? Retórica essa que, repito, pra mim é demagogia populista?
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Nada. Não identifico nada de esquerda no petismo, a não ser o discurso; nem postura, nem atitude e nem ideologia, se é que possui alguma; de fato, coloco em dúvida a existência de qualquer fundamentação ideológica no lulopetismo, a não ser como roupagem; ou então por parte daqueles que, ingenuamente ou não, seguem essa corrente política; mesmo porque o problema maior, aí, é a competência intelectual: dificilmente alguém que ‘tem preguiça de ler’ pode ter uma estrutura ideológica consistente; pode até ser bem assessorado por parte de quem a tenha, mas esse não parece ser o caso, basta ver a situação na qual o país se encontra atualmente (dizem que a culpa disso é da ‘direita’, das ‘elites’, mas será? Uma presidente que manda para o Congresso uma propsta orçamentária com um rombo de bilhões, não é como se estivesse declarando: ‘olha, eu não sei administrar as contas públicas, virem-se vocês pra resolver isso!’? Isso não é um indicador de bom assessoramento).
Agora, se eu estiver errado e o PT for, de fato, ‘de esquerda’, então é uma esquerda cheia de esquisitices, muito diferente do que eu imaginava que fosse ou que pelo menos poderia ser (e eu já me adianto declarando veementemente que não sou socialista).
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O número de assentamentos da reforma agrária petista não param de declinar desde 2006, e muito; além disso, acho difícil imaginar gente como o Che Guevara ou o Luís Carlos Prestes participando, como o Lula já fez várias vezes, como convidados especiais dos churrascos nos latifúndios do Bumlai (seria esquisito, não? O Bumlai manifestando apoio ao Guevara?).
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O petismo se diz nacionalista...
Mas penso ser razoavelmente consensual encarar o nacionalismo como uma ideologia original e essencialmente burguesa (e qualquer estudante de colegial pode verificar isso em qualquer livro de História): basta ver a formação das Monarquias Nacionais europeias durante a Baixa Idade Média, destinadas, em parte, a suplantar barreiras feudais ao comércio para criar mercados que fossem nacionais (não são chamadas de Monarquias Nacionais à toa); ou a “Primavera dos Povos” no séc. XIX, quando o ideal de ‘nação’ foi bastante estimulado, em parte para combater as reminiscências do Antigo Regime, consolidando a burguesia no poder, e em parte para que ela pudesse conquistar seus próprios mercados, seja através de separatismo (no caso da Bélgica), seja através de unificação (nos casos da Alemanha e da Itália); ou mesmo a 1ª Guerra Mundial, que foi uma guerra burguesa por mercados coloniais, onde o ‘nacionalismo exaltado’ foi um de seus componentes)...
Vou considerar, portanto, o nacionalismo como uma ideologia burguesa; e considere você, leitor, que nacionalismo não é sinônimo de anti-imperialismo; esses dois elementos podem andar juntos, podem mesclar-se, complementar-se, mas não são a mesma coisa; é perfeitamente possível ser anti-imperialista sem que se seja necessariamente um nacionalista (como no caso dos anarquistas, por exemplo).
Ora, uma das ‘utilidades’ da ideologia nacionalista (e não é a única), para a burguesia, é justamente neutralizar o ideal de luta de classes, que é um dos fundamentos de toda e qualquer esquerda, principalmente o socialismo. O ideal de ‘povo’ enquanto nação é um instrumento burguês de tentar fazer crer que laços culturais (como idioma, costumes e crenças) são mais relevantes e importantes que divergências econômicas (luta de classes) dentro dessa mesma ‘nação’ (burguesia X proletariado); repare que as associações proletárias fundamentadas no socialismo, desde o século XIX, eram chamadas coerente e intencionalmente de “Internacionais”, justamente para confrontar o nacionalismo burguês; e repare, também, que o Manifesto Comunista de Marx e Engels, em 1848, alardeava “Proletários de todo o mundo, uní-vos!”, numa clara afronta ao nacionalismo, pois este tende a ocultar ou disfarçar a luta de classes, uma das bases do marxismo.
Pois bem, o petismo, apesar de proclamar-se ‘nacionalista’,  também se diz ‘de esquerda’...
E eu pergunto: como?
Como é possível que um partido que se diz ‘de esquerda’, e que portanto deveria estar fundamentado no ideal de luta de classes, ao mesmo tempo se proclame como nacionalista, que sendo uma ideologia burguesa é uma ideologia de direita?
Como?
Como é possível conciliar socialismo com nacionalismo?
Tem gente que consegue. Há um caso desses na história, bastante conhecido, que conseguiu conciliar socialismo com nacionalismo: o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (em alemão, Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei); que, abreviado, torna-se ‘nazi’: o Partido Nazista; que dizia que era, ao mesmo tempo, nacionalista e socialista; e que, apesar de ser um partido ‘socialista’, era anti-comunista; e que também era um partido ‘dos Trabalhadores’, pelo menos no nome.
Esquisito, não?
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E ainda que não se leve em conta a contradição exposta acima, e ainda que o petismo seja nacionalista, é um nacionalismo esquisito. Se o Estado, nessa lógica, deve ser um representante da ‘nação’, e esse Estado é brasileiro e é controlado por um partido que se diz nacionalista, a qual nação esse Estado deveria privilegiar?
À nação brasileira, óbvio (ou não?).
Entretanto, o presidente da Bolívia, Evo Morales, em 2006 confiscou (confiscou não, desculpem-me, ‘nacionalizou’) por lá uma refinaria da PETROBRÁS (que teoricamente deveria pertencer à ‘nação’ brasileira), provocando um prejuízo imediato de cerca de 100 milhões de dólares e acarretando um prejuízo mensal, daí pra frente, de cerca de 9 milhões de dólares por mês; e qual o posicionamento do ‘chefe da nação brasileira’ em relação a isso? Veja:
Mas tá certo, ele é um ‘nacionalista’, e o nacionalismo, ainda que seja o boliviano, deve ser estimulado; mesmo que prejudique uma empresa que, no discurso dele, pertence ao ‘povo brasileiro’, é um patrimônio ‘nacional’; não deve, inclusive, ser privatizada, senão vai acabar deixando de ser uma empresa ‘brasileira’ e cair sob controle estrangeiro.
E o governo da Bolívia é o quê? Brasileiro também?

E dos mais de cinco bilhões de dólares que a Bolívia lucra anualmente com exportações de gás natural, 75% são pagos pelo Brasil... E a PETROBRÁS voltou a investir por lá, inclusive em projetos sociais (um milhão de dólares):



Nacionalismo esquisito, esse, hein?
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Paralelamente, a ‘nação brasileira’, através do BNDES, tem financiado empreendimentos de milhões de dólares em Cuba (porto de Mariel, US$ 682 milhões), na Venezuela (segunda ponte sobre o Rio Orinoco, US$ 300 milhões), em Moçambique (Barragem de Moamba Major, US$ 350 milhões), no Equador (Hidrelétrica Manduriacu, US$ 90 milhões, cujas obras estão, aliás, desde março de 2015, sob investigação do governo equatoriano por suspeita de corrupção)... E ainda tem mais (Angola, Chile), mas não vou enumerar tudo.
Dinheiro que sai do bolso da ‘nação brasileira’... Dinheiro que está faltando aqui dentro, como todos sabem...
Eles dizem, é claro, que isso tudo é em benefício da ‘nação brasileira’ como um todo. Que essas coisas todas vão estimular a economia brasileira, pois esses recursos acabarão ficando por aqui, já que as empresas encarregadas de tais obras são, de fato, brasileiras.
Mas quantos (e, principalmente, quais) indivíduos componentes da ‘nação brasileira’ vão acabar embolsando esses recursos? Os empregados, que compõem a maioria da ‘nação’? Ou os empregadores, que são uma minoria? O proletariado ou a burguesia?
Será que os trabalhadores da Odebrecht, por exemplo, terão sua renda aumentada devido a essas obras? Ou o que vai aumentar é o lucro do empresariado?
Não é um nacionalismo esquisito, esse da ‘esquerda’?
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Mas e se algum outro país também quisesse construir ou reformar um porto, uma ponte ou uma hidrelétrica por aqui?
Ah!, isso não seria tolerado! Isso seria considerado uma penetração imperialista e a ‘esquerda’ é  anti-imperialista! E estrangeiro construindo portos, pontes ou hidrelétricas no Brasil seria imperialismo, tal e qual os EUA fizeram com o canal do Panamá.
Mas não se importaram com a perda da refinaria na Bolívia (2006) e nem com o fato de que hidrelétricas já prontas (construídas com o dinheiro da ‘nação’, diga-se) caíram sob controle chinês (2015). Isso pode, isso não é imperialismo.
Admitir um órgão estrangeiro participando da elaboração dos rumos da educação ‘nacional’, isso também pode. Isso não é imperialismo.
Esquisito esse nacionalismo anti-imperialista, não?
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Volto a dizer (chato você ter que ler isso a todo instante, mas quero deixar o mínimo possível de margem pra ambiguidades naquilo que escrevo): não estou querendo defender ideologia nenhuma, sequer a minha; estou só querendo identificar o que, a meu ver, são contradições da ‘esquerda’ petista; quero clareza, quero ver o que tem de sensato nisso tudo.
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Toda esquerda que se preze, desde que passou a existir, com a Revolução Francesa, é anticlerical, podendo radicalizar esse anticlericalismo até as profundezas do ateísmo (como no caso soviético); mas, no mínimo, reduz, quando não extingue completamente, pelo menos alguns dos privilégios do clero quando chega ao poder.
E o que o petismo fez em relação a isso? Combateu os privilégios do clero, qualquer que seja ele? Ou aumentou e/ou ampliou esses privilégios? Ou simplesmente deixou tudo ficar como já estava?
Na minha opinião (e repare que estou sendo até otimista ao afirmar isso), deixou tudo como estava.
Ou seja, não fez nada.
Templos continuam proliferando pelo país, e isso bem mais que as escolas, seja em quantidade, velocidade ou intensidade; religiões continuam manipulando recursos milionarios, menos que a educação; líderes e bancadas religiosas continuam tendo, e de forma crescente, mais espaço na política e na mídia do que cientistas, filósofos e educadores; igrejas continuam sem pagar impostos (mas livros pagam); pregações religiosas que beiram a extorsão e o estelionato continuam sem nenhum tipo de restrição.
Não estou, com esta exposição, querendo adotar confrontação nenhuma contra qualquer religião, apesar das minhas convicções. Repito que não estou aqui pra levantar bandeira nenhuma. O que tento fazer é identificar e elucidar contradições na dicotomia esquerda/direita envolvendo o petismo.
A Constituição brasileira, no artigo 19° I, veda aos Estados, aos Municípios, à União e ao Distrito Federal o estabelecimento de cultos religiosos ou igrejas, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.
É isso o que vemos?
A Constituição brasileira, também, em seu artigo 210° assevera que serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar a formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais, salientando no parágrafo 1º que o ensino religioso, de matéria facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.
E a Base Nacional Curricular que estão tentando aprovar inclui o ensino religioso no Fundamental; e, sendo uma base nacional, estaria transformando o ensino religioso em algo obrigatório, não facultativo.
Esquisita essa esquerda que fortalece a influência do clero, né?
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É um Partido dos ‘Trabalhadores’.
Mas o que esse partido fez de realmente consistente em benefício de quem efetivamente trabalha?
Os aposentados, por exemplo; que depois de anos e anos de trabalho, mais-valia e impostos, já geraram riqueza mais que suficiente para que pudessem ter acesso a um padrão de velhice que fosse digno. Em que o petismo mudou a situação dos aposentados?
E o salário-mínimo? Continua inferior ao necessário. Melhorou, isso é fato. De acordo com o DIEESE (dados em dezembro de 2015) o valor do salário mínimo é só 4,4 vezes inferior ao necessário, e era 6,8 vezes inferior em 2002. Mas eu considero isso pouco, muito pouco, pra três mandatos seguidos de um partido que se diz ‘de esquerda’ e que se propõe, pelo menos no nome, a defender os interesses dos trabalhadores. E ainda há 2016 pela frente...
O sindicalismo foi liberto da tutela do Estado? Não, não foi. Continua atrelado a ele, mais ou menos como era desde a década de 1930, um fóssil do peleguismo varguista. Os sindicatos continuam movimentando recursos bilionários oriundos do imposto sindical,  o que os torna, senão controlados, pelo menos dependentes do Estado, mais do que das classes às quais deveriam, de fato, representar. O partido dos trabalhadores não tornou livres as associações de trabalhadores (inércia, incompetência ou interesses populistas?)
O que esse partido representa, de fato, para os trabalhadores?
Eu citaria Mikhail Bakunin (que era de esquerda, mesmo, e radical, apesar de contrário ao marxismo), e que apesar de ter vivido há mais de cem anos, já dizia: “Assim, sob qualquer ângulo que se esteja situado para considerar esta questão, chega-se ao mesmo resultado execrável: o governo da imensa maioria das massas populares se faz por uma minoria privilegiada. Esta minoria, porém, dizem os marxistas, compor-se-á de operários. Sim, com certeza, de antigos operários, mas que, tão logo se tornem governantes ou representantes do povo, cessarão de ser operários e por-se-ão a observar o mundo proletário de cima do Estado; não mais representarão o povo, mas a si mesmos e suas pretensões de governá-lo. Quem duvida disso não conhece a natureza humana.”
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O petismo melhorou a vida dos pobres, sim, pelo menos num nível imediato, o que me leva a discorrer, agora, sobre o que eu considero como o aspecto mais delicado do petismo (e talvez o mais polêmico também), que é o bolsa-família.
Pra mim, e isso tentando limitar minha argumentação à dicotomia esquerda/direita e às contradições dessa dicotomia envolvendo o lulopetismo, a meu ver isso é apenas assistencialismo populista, que tanto cabe na ‘esquerda’ quanto caberia na ‘direita’, não envolve ideologia nenhuma. Já me meti em várias discussões (acaloradas, por sinal) envolvendo tal tema porque, óbvio, há os que defendem e os que criticam essa prática. E justamente por isso vou tentar esmiuçar bastante o que escrevi sobre ‘assistencialismo populista’ (e peço, de novo, que quem quiser contestar que conteste aqui, nas caixas de comentários do próprio blog, para que os leitores, todos, possam acompanhar o andamento das discussões e se beneficiar delas, qualquer que seja a forma; não vou mais ficar respondendo críticas via Facebook ou coisa desse tipo).
Vou começar dizendo que o bolsa-família, de forma bastante simplificada, é um programa no qual o governo dá dinheiro aos muito pobres; não vou desenvolver uma argumentação etmológica ou conceitual sobre o que seria esse ‘dar dinheiro’, se é ceder, doar, fornecer, distribuir ou transferir renda, prover recursos, nada disso; vou ser simplista: com o bolsa-família o governo dá dinheiro a quem é pobre.
O critério único pra poder se cadastrar no programa é ser “extremamente pobre”; não há outro; não faz diferença se é doente ou saudável, nem se é homem ou mulher, se é casado ou não, faixa etária também não importa, não faz diferença onde mora e nem com quem, nada; basta ser “extremamente pobre”; e de acordo com os parâmetros do governo, esse “extremamente pobre” significa famílias com renda per capita entre R$ 77,00 e R$ 154,00 mensais, ou inferior (valores de 2015). Depois que o indivíduo passa a ser beneficiário do programa ele deve, sim, satisfazer a outras exigências (manter frequência escolar e vacinação em dia, por exemplo); mas para entrar no programa, basta ser “extremamente pobre”.
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De novo: não quero discutir aqui se esse programa realmente ajuda alguém a sair da pobreza, ou até que ponto; meu foco é definir se isso é ‘coisa da esquerda’ que quer ‘implantar o comunismo’.
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Usei a palavra assistencialismo para definir o bolsa-família. De acordo com o Dicionário Priberam de Língua Portuguesa (que é o que tenho em mãos), assistencialismo é definido como sendo uma “doutrina ou prática política que defende a assistência aos mais carenciados da sociedade (por vezes usado em sentido depreciativo, referindo-se a medidas ou promessas demagógicas)”. Repare que o uso da palavra ‘política’ remete, necessariamente, a uma ação governamental. Não me considero errado, portanto, ao usar a palavra ‘assistencialismo’. Pode ser um assistencialismo demagógico ou não, mas é assistencialismo, e qualquer dicionário vai dizer mais ou menos a mesma coisa. Assistencialismo é um tipo de assistência (é relevante ressaltar que é um tipo de assistência que é material; não envolve cobertura médico-hospitalar ou odontológica, assistência psicológica ou educacional, etc.).
 Se é um tipo de assistência, poderia manifestar-se de várias formas. Dar comida, por exemplo; ou remédios; ou roupas, agasalhos; ou brinquedos; ou panelas; ou qualquer outra coisa que pelo menos amenizasse a carência dos mais pobres; que é o que fazem inúmeras entidades assistenciais que você, leitor, certamente conhece.
Mas o bolsa-família dá dinheiro, e só dinheiro; o governo pode dar outras coisas, também, em outros programas, como o acesso à terra e ao emprego, a assistência à saúde, etc. (coisas que não vem fazendo direito); mas o bolsa-família, especificamente, só dá dinheiro.
Ora, dar dinheiro é o tipo de assistência que qualquer um pode fazer; eu, você, seu vizinho, o meu... Qualquer um, que evidentemente não seja o beneficiário dessa assistência, pode fazer isso, não precisa ser o governo, e nem de esquerda. O governo, sendo governo, poderia fazer outra coisa qualquer, que inclusive não fosse material, como isentar os muito pobres, por exemplo, de pagar impostos; porque há inúmeros impostos indiretos no país; cada vez que alguém compra alguma coisa (bens ou serviços) está pagando algum imposto; esse tipo de ajuda só o governo poderia fazer, eu não posso, e nem você, cidadão comum. Se os pobres pudessem comprar as coisas (remédios, comida, roupas) pagando só o valor dos produtos, sem os impostos, acho que isso também melhoraria bastante a vida deles.
 Mas não. O governo dá dinheiro. Dinheiro esse que, uma vez gasto, vai ser de novo abocanhado pelo mesmo governo que o deu (pelo menos parte dele), através de impostos indiretos.
E é aí que, a meu ver, a questão se torna predominante e indiscutivelmente política e demagógica, bem mais que humanitária, solidária ou ‘de esquerda’ (convenhamos, dar dinheiro aos pobres não é esquerdismo). Tudo é montado para que seja ele, o governo, a dar esse dinheiro. Dinheiro que é seu, meu, nosso. Dinheiro que sai dos impostos, que, aliás, é de onde sai todo e qualquer gasto governamental.
Se eu quisesse, porventura, ‘adotar’ por conta própria uma família carente, e do meu dinheiro (ganho com o meu trabalho) eu doasse a essa família, mensalmente, 230 reais (que é o limite máximo do benefício), eu não poderia, por exemplo, abater essa quantia do meu imposto de renda, nem mesmo parcialmente. Simplesmente não poderia. Não poderia e não posso. A legislação tributária não permite abater esse tipo de assistência. Aliás, não posso abater nem mesmo a assistência que dou mensalmente ao meu próprio filho, o mais velho, que ainda não consegue subsistir com recursos próprios; já passou da ‘idade limite’, não cabe mais abatimento no imposto de renda; não interessa se há inflação ou desemprego no país, passou da ‘idade limite’ já era.
Ou seja, se eu, enquanto cidadão, quiser por conta própria transferir renda (que é minha) para qualquer um que seja muito pobre (ou mesmo para o meu próprio filho, como já falei), eu não conto com nenhum benefício ou estímulo pra fazer isso, por parte do governo. Nenhum. Eu teria que arcar, ao mesmo tempo, com a assistência aos pobres e a assistência decidida e feita pelo governo, dando a ele o seu quinhão, dando a ele parte da minha renda para que ele possa distribuir essa renda; como se só o governo pudesse distribuir renda.
Se o objetivo é, de fato, ajudar os pobres e distribuir renda, por que não oferecer essa possibilidade também ao cidadão?
Porque aí o governo não teria como se mostrar benevolente perante as massas; benevolentes seriam os cidadãos; e a benevolência dos cidadãos não traz apoio político ou votos, a menos que tal ‘benevolência’ seja intencionalmente voltada para interesses políticos.
Isso não é populismo?
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 E ainda há um elemento curioso a ser observado no país, a respeito da existência de um benefício chamado ‘salário-família’, que é uma espécie de ‘ajuda de custo’, uma gratificação extra dada aos trabalhadores para o sustento de suas respectivas famílias, como o nome do benefício bem o sugere. Todo trabalhador deve receber, além do salário, uma determinada quantia em dinheiro para o sustento dos filhos, e tal coisa já existe há muito tempo no país, desde muito antes do petismo. Possuem direito a esse benefício todos os trabalhadores, ainda que sejam avulsos, incluindo também os aposentados. As regras são basicamente as mesmas que regem o bolsa-família (manter escolaridade e vacinação, por exemplo), porém é um benefício dado aos trabalhadores.
Agora faça as contas (os valores são de 2015):
O valor do salário-família corresponde a R$37,18, por filho de até 14 anos incompletos ou que seja inválido (e que esteja na escola, vacinado, etc.); isso para quem ganhar até R$725,02 (repare, aqui, que o valor do salário-mínimo, que sendo o mínimo deveria ser o mínimo, é de R$788,00; como é que um trabalhador pode ganhar R$725,02, se esse valor está abaixo do mínimo?). Já para o trabalhador que ganhar de R$725,03 até R$1.089,72, o valor do salário-família por filho de até 14 anos de idade ou inválido de qualquer idade será de R$26,20.
Vamos imaginar um trabalhador que receba os míseros R$725,02 (abaixo, portanto, do mínimo que deveria ser o mínimo); e que esse trabalhador tenha esposa desempregada e cinco filhos menores de 14 anos; tendo direito ao benefício, ele receberia R$37,18 por filho (R$185,18) e mais os R$725,02 do salário, totalizando R$910,92; se essa renda total for dividida pelo número de membros da família (sete), vai dar numa renda per capita de R$ 130,13; o que se enquadra na faixa de renda exigida pelo bolsa-família (entre R$77,00 e R$154,00 per capita); isso colocaria a família desse trabalhador na categoria de ‘famílias extremamente pobres’; mesmo sendo um trabalhador; mesmo trabalhando num país governado por um partido ‘dos trabalhadores’.
Curioso, não?
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Agora, se nada do que eu falei até aqui serviu pra você pelo menos questionar o caráter ‘de esquerda’ do petismo, dá uma olhada no video abaixo, que é curto, da Gloria Alvarez (nem brasileira ela é, é da Guatemala) e veja o quanto isso se encaixa no que está acontecendo no Brasil (e repare que ela também fala, ainda que brevemente, sobre alterações na educação):
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Ainda acha que o petismo representa a esquerda?
                                   *          *          *
Eu acho que não, e não acho que eu esteja equivocado ao pensar assim. Muito pelo contrário, eu acho que quem acredita que o petismo seja esquerda é que está profundamente equivocado, seja para defendê-lo ou para criticá-lo. Não é esquerda. É só uma caricatura das esquerdas, uma caricatura muito mal feita, aliás; tosca, pobre, medíocre. É só populismo, mas um populismo barato, demagógico, que adota um discurso esquerdista e popularesco pra poder manipular as massas e delas se beneficiar, seja lá com o que for (votos, por exemplo), para atingir o poder e nele se perpetuar.
                                   *          *          *
E isso é outra coisa que eu considero como uma afronta ao bom-senso: escutar alguém descendo a lenha no petismo dizendo que ‘isso é o comunismo’.
Não, isso não é ‘o comunismo’. Isso não é ‘a esquerda’ e nem ‘coisa da esquerda’.
Passa bem longe disso.
Não sou socialista, repito, e nem quero levantar bandeiras ideológicas, como já falei várias vezes ao longo desta coletânea de textos sobre a paródia. Não estou escrevendo aqui pra defender o socialismo, e nem pra criticá-lo; escrevo pra expor e justificar o meu pensamento, escrevo em nome do bom-senso pra tentar elucidar a realidade, jogar um pouco de luz sobre ela.
                                   *          *          *
Vão aqui o meu descontentamento e a minha crítica, portanto, aos dois lados da questão: aos que defendem o petismo, achando que estão defendendo ‘as esquerdas’; e aos que condenam o petismo, alegando que estão combatendo ‘as esquerdas’. O petismo não é esquerda porra nenhuma. É, basicamente, só um acúmulo confuso de contradições dentro de um populismo incompetente.
                                   *          *          *
Engana-se quem associa o lulopetismo às esquerdas. O Lula só é esquerda no discurso. E é provável até que nem saiba ao certo o que é a esquerda. Ele tem ‘preguiça de ler’.
                                   *          *          *
Conhece o Luís Carlos Prestes? Aquele, da Coluna Prestes, da década de 1920; aquele, da Intentona de 1935, que foi o primeiro levante comunista da história do Brasil; que foi um dos fundadores do primeiro Partido Comunista brasileiro; que é considerado o ‘pai’ do comunismo no país; que teve que amargar vários e vários anos de cadeia por ser comunista.
Conhece? Você, que usa o esquerdismo pra defender ou pra criticar o petismo, conhece o Luís Carlos Prestes?
Posso, então, considerá-lo como sendo verdadeiramente ‘de esquerda’?
Posso?
Pois bem, quem você consideraria como um legítimo representante das esquerdas no Brasil?
O Lula ou o Prestes?
Ou ambos?
Dê uma olhada no vídeo abaixo, que também é curto, expondo um trecho de uma entrevista dada pelo Prestes; veja o que o ‘velho comunista’ tem a dizer sobre Lula e companhia (os primeiros três minutos bastam):
                                   *          *          *
E então? Convenceu-se de que o petismo não é esquerda porra nenhuma?

                              *          *          *

Ainda que você desconsidere tudo o que eu falei até aqui, ainda que você jogue pelo ralo toda a argumentação que eu já expus... Afinal de contas, é só um professorzinho falando, um professorzinho de bosta, de uma cidade de bosta do interior de um país de bosta, que não fez nenhuma faculdade ‘de peso’ e que não tem nem mestrado nem doutorado... É admissível que você me conteste...
Tô falando isso porque vai que você é daqueles que só aceita uma argumentação se vier de uma fonte fidedigna, conceituada e reconhecida como tal; vai que você é daqueles que são adeptos do ‘saber pela autoridade’... Pode jogar toda a minha argumentação no lixo, se quiser, mas vai duvidar da interpretação de uma personalidade do porte de Luís Carlos Prestes, que já é, historicamente, reconhecido como um baluarte da esquerda brasileira? É óbvio que ele não deve ter seguido as mesmas linhas de raciocínio que eu, mas a conclusão é a mesma: não há esquerda no petismo.
E aí? Convenceu-se de que o petismo não é esquerda porra nenhuma?
                                   *          *          *
Se você se convenceu, então pare de criticar o petismo dizendo que o que ele faz ou fez é ‘coisa de comunista’; pare de defender o PT dizendo que é ‘partidário da esquerda’.
Não é esquerda porra nenhuma. Só na roupagem.
                                   *          *          *
Agora, se você não se convenceu, sinceramente, não sei mais o que dizer, e nem mesmo o que fazer. Aliás, talvez nem haja mais o que possa ser dito ou feito, nem por mim nem por ninguém. Se alguém ainda achar que o petismo representa a esquerda, seja pra criticar ou apoiar, e tanto eu quanto o Prestes estivermos errados nas conclusões, então não sei mais o que é a esquerda. Ou então não há mais esquerda no Brasil, não como eu a concebia. Perdeu-se. Perdeu-se junto com o país, talvez. Talvez tenha morrido com o próprio Prestes. A demagogia derrotou a consistência ideológica. O populismo venceu. A mediocridade venceu. E o lulopetismo não é o resultado da vontade de um povo; é o reflexo da mediocridade de um país.
                                   *          *          *
Só pra encerrar, definitivamente.
O ‘zeppelin’, que faz parte do título da paródia, não é só uma referência à música original, “Geni e o Zeppelin”; é dotado também de um certo simbolismo. Ele aparece só no título, e em nenhuma outra parte da letra; não é nem citado, em nenhuma das estrofes.
O que seria esse ‘zeppelin’, afinal, na paródia?
Uma alegoria do Estado.

Um Estado que, no Brasil, a meu ver, é um zeppelin. Flutua, inatingível, acima dos cidadãos, da sociedade... Não é parte dela, não se mescla a ela... De vez em quando baixa ao nível do solo, para angariar recursos, livrar-se de alguém indesejável ou recrutar alguém que esteja em terra. Mas não representa a sociedade, não faz parte dela, não é um prolongamento ou uma extensão da mesma. É algo que paira acima das nossas cabeças, flutuante, na maior parte do tempo alheio aos problemas que ocorrem no solo; às vezes é benevolente, doador; e às vezes é ameaçador, agressivo, autoritário... Como o zeppelin da música original... Mas sempre soberano em seu voo, sempre vivendo em função de si próprio, sempre usurpador... Sempre pairando acima de todos, descendo das ‘nuvens flutuantes’ apenas para se reabastecer com aquilo que não produz... 




6 de janeiro de 2016

A Lula, o Zeppelin e o Reino da Mediocridade

A Lula, o Zeppelin e o Reino da Mediocridade
Encerrando com o assunto da paródia. Cansei de bater na mesma tecla tentando justificar o que, a meu ver, é imensamente óbvio. Conversei muito, debati muito, pesquisei muito; mas, sinceramente, não encontro nada que não corrobore o que já sugeri.
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Se este texto parecer truncado e, de certa forma, um pouco difuso, é porque pretendo abarcar, se não todas, pelo menos a maioria das críticas que recebi (inclusive quanto à forma, já que algumas dessas críticas foram agressivas demais, a meu ver); e também porque já o emendei e remendei várias vezes, buscando dar sustentação ao que sugeri na paródia, incluindo acontecimentos políticos recentes, que não param de surgir; tentando, inclusive, por à prova o meu próprio raciocínio, pra ver se estou ou não enganado; mas acompanhar o cotidiano da política brasileira tem sido, ao contrário, um reforço ao que acredito que esteja acontecendo: não se passam dez dias sem que apareça uma notícia nova envolvendo corrupção ou incompetência no governo. E eu simplesmente desisti de ficar remendando este texto, semana após semana, acrescentando fatos recentes; percebi que acabaria ficando muito longo (como de fato ficou) e também que eu poderia passar o resto da vida respaldando o que, como já disse, parece óbvio.
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Enchi desse tema, tenho mais o que fazer, tenho outros projetos na cabeça.
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Mas quero deixar registrado que recebi mais elogios que críticas e, ao mesmo tempo, expressar meu desejo de que esta coletânea de textos sobre a paródia e sobre a política possa fazer jus ao título deste blog: livre-pensar.
Quem quiser que conteste; há caixas de diálogo no blog que existem justamente pra isso, e que permitem, inclusive, comentários anônimos
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Pois bem, considere-se paródia como sendo uma “imitação burlesca de uma obra séria”, o que, creio eu, seja uma definição razoavelmente consensual do que fiz: uma brincadeira. Uns a levaram muito a sério, encarando o que fiz como ofensa ou reflexo de estupidez, doendo-se por causa disso muito mais do que eu poderia imaginar e, o que considero ainda pior, desenvolvendo uma linha de raciocínio que não é a minha. Nunca quis ofender, quis apenas ‘desenferrujar’ minha criatividade expressando o que penso, como já falei antes, e se isso viesse a despertar questionamento, tanto melhor, estaria fazendo o que sempre gostei de fazer na vida; mas não era esse o meu objetivo principal, o que fiz foi uma brincadeira, e pra mim isso parecia (ou pelo menos deveria parecer) mais do que óbvio... Entretanto, alguns levaram a coisa tão a sério que parecia que eu estava deflagrando uma guerra ideológica, como se fosse militância política, coisa que não faço e não gosto de fazer. É evidente que a paródia expressa, com clareza e intencionalmente, meu posicionamento político sobre o que anda acontecendo no país, mas não expressa, de forma nenhuma, meu posicionamento ideológico. E é isso o que mais me incomodou nas críticas que recebi: levaram a coisa a sério, mas por um caminho que eu, sinceramente, não tracei, e rumo a um destino que sequer pensei em estabelecer: a dicotomia esquerda/direita (e já adianto que isso que está aí passa longe do que eu considero como esquerda, mais abaixo eu aprofundo tal tema).
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Mas já que um caminho tão sério foi aberto a partir de algo que fiz, dou-me também o direito de percorrê-lo através destes textos.
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Fiz, sim, uma brincadeira... Mas não foi por brincadeira, já expliquei o suficiente sobre isso, não foi um simples devaneio, não foi ‘porralouquice’. Tenho meus motivos pra pensar o que penso a respeito de Lula e companhia, motivos que não são poucos e nem pouco fundamentados; acompanhei desde o início toda a sua militância e sua carreira, sindical e política, como tantos outros mais que pertencem à minha geração, como eleitor e como cidadão; e se hoje sou professor de História isso apenas me dá algum respaldo a mais pra pensar o que penso; mas eu ainda nem tinha entrado na faculdade quando o Lula começou sua militância, nos anos 70; e, confesso, fui cativado por seu discurso e por sua postura. Se hoje me coloco na pele de professor para escrever este texto é só mesmo pra expor uma justificativa para um pensamento já exposto; ou seja, o professor, aqui, é um mero porta-voz; escrevo apenas para dar uma certa satisfação a meus alunos, já falei sobre isso, não misturo tablado de sala de aula com palanque eleitoral, não transformo aula em militância política e creio que a maioria dos meus alunos pode atestar isso. Penso o que penso na condição de cidadão, na condição de homem que leu, que lê e que gosta de ler.
Confiava no PT, e muito. Votei no Lula, sem exceção, todas as vezes em que ele se candidatou. Não que eu confiasse especificamente nele, na sua capacidade de governar; nunca achei que ele possuísse algo além de perspicácia e presença de espírito, carisma e oratória pra chegar onde chegou. Mas confiava no partido como um todo, nas pessoas que o compunham, achava que tinha muita gente boa lá dentro, gente boa e capacitada pra governar; imaginava que essas pessoas (inclusive o Lula), com o discurso que faziam, pelo menos colocariam o país num rumo que o melhorasse, ainda que a longo prazo; nunca fui ingênuo o suficiente pra sequer ter esperança de que resolveriam todos os problemas do país, não creio em messias; eu imaginava que, pelo menos, eles livrariam o país da cacicagem política e das práticas coronelísticas que moviam (moviam?) o funcionamento do Estado, que afastariam do poder todos os fósseis da ditadura militar, que impediriam, pelo menos impediriam, o crescimento de certos vícios na política brasileira, e pra mim isso já seria um avanço e tanto; imaginava que, uma vez que o Lula estivesse na Presidência da República, o partido inteiro estaria governando, estaria querendo se esmerar para fazer disso uma ‘vitrine’ para consolidar não o poder, mas uma outra forma de exercer o poder, mais digna e mais justa; que até poderiam consolidar a si próprios no poder, mas consolidar-se perante o povo e não perante os mumificados caciques de outrora; imaginava que, ao Lula, bastaria boa vontade, sensatez e humildade para acatar as decisões dos que eram mais qualificados que ele dentro do partido; e repito: a meu ver tinha muita gente capacitada lá dentro.
Votei no PT. Votei no Lula. Até ele chegar ao poder. Daí pra frente nunca mais. Nem pra reeleição. Não vi nada do que esperava ver. Muito pelo contrário, vi um reforço a tudo o que eu não esperava nunca mais ver na política. Que não resolvesse nada, mas que pelo menos freasse o continuísmo viciado.
Não foi o que vi acontecer. Sinto-me um corno da política.

                     *                                            *                                      *

Num dos compartilhamentos da paródia, alguém (provavelmente muito decepcionado comigo) postou-me uma entrevista do Lula (outubro/2014, Carta Capital), no Google+, na qual ele afirma, já no início, algo como ‘eu quero é voto’; desisti de ver o resto do vídeo e postei, como desabafo: “Nem dez segundos de entrevista e o cara já fala que só quer voto... Desisto.”
Aí retrucaram: ‘De tudo o que ele falou você só prestou atenção nisso?”
Vi que não eram ‘dez segundos’, e sim quarenta; mas vi também que ele afirma que quer fortalecer a classe média (mas a esfola com impostos abusivos e ainda é conivente com a ‘pseudofilósofa’ Marilena Chauí, que abominou publicamente essa mesma classe média); fala em estimular a educação (mas já afirmou que não gosta de ler, que tem preguiça, e também já se vangloriou de não falar outro idioma e de ter obtido um diploma sem ter frequentado uma universidade); fala que o ‘outro partido’ encara as pessoas só como números e não como pessoas (mas já admitiu que apelou pra forjar números em várias palestras); que a economia antes dele chegar ao governo estava um caos e que agora estava “infinitamente melhor” (e a entrevista tem pouco mais de um ano, atentem para isso); e isso tudo só nos primeiros sete minutos de entrevista.
Desisti de novo. E postei exatamente a resposta que segue abaixo (o texto é só recortado e colado), referente à pergunta “do tudo que ele falou você só prestou atenção nisso?”. Respondi:
“É. Só nisso. Porque o ‘tudo o que ele falou', pra mim, não inclui só o que está nessa entrevista, está incluído também tudo o que ele falou ao longo de anos e anos; acompanhei muito bem 'tudo o que ele disse', desde que era um sindicalista até ele chegar ao poder; votei nele desde 1989, até ele mudar radicalmente de discurso e de postura (não sei se mudou também de caráter, ou se na realidade ele sempre foi assim e eu é que não via; e a segunda opção me parece mais consistente, hoje em dia); não voto mais; concluí que o que ele quer e sempre quis é voto, custe o que custar; todo o resto se encaixa somente nisso, é um 'vale-tudo'; demagogia populista; um cara que se associou a Maluf? Sarney? Collor? Não era nesse cara em quem eu votava, nem era esse o partido no qual eu confiava.
Fala que é de esquerda... Será que sabe o que é isso? Será que não sabia que Collor, Sarney e Maluf são de extrema direita? Mas isso não precisa de explicação, né? Ele só quer votos.
Beija a mão dos coronéis que controlam o cabresto nos currais eleitorais”.
A mensagem que recebi logo depois (não acho mais a postagem pra recortar e colar) descia o malho em várias outras personagens políticas (Marina, Aécio, Enéas...), como se o Lula, apesar de tudo, fosse a melhor das opções (e reparem que isso, a meu ver, é um dos traços característicos do lulopetismo: denegrir para se justificar).
Desisti até da conversa.
Mas ainda recebi uma última mensagem: “Não dá pra conversar com você!”
                                               ???

                     *                                            *                                      *
Reafirmo, ainda que com ressalvas, tudo o que respondi.
                     *                                            *                                      *
Vi, noutra entrevista, dada dentro de um avião, o Lula justificando essa ‘busca por votos’ como uma mudança estratégica. Em linhas gerais, ele reafirma sua postura ‘socialista’ ao mesmo tempo em que admite que a estratégia das esquerdas de adotar uma atitude de enfrentamento ao sistema, que ele próprio tanto usara, não daria resultados práticos, não permitiria nunca que as esquerdas chegassem ao poder, tamanha a resistência das elites; que seria melhor ‘jogar o jogo’ para chegar ao poder porque, uma vez lá, se poderia de fato fazer mais pelo povo; daí ele ter afirmado “eu quero é voto! ”
Lembrei Nietzsche: “Se penetras por muito tempo na escuridão, a escuridão também penetra em ti. ”
                     *                                            *                                      *
Fui infeliz ao afirmar que ele talvez tenha mudado de caráter. Talvez não, talvez tenha sido sempre bem-intencionado e talvez tenha uma boa causa.
Não sei. E tampouco tenho como saber de fato, no momento em que escrevo estas linhas, o que ele realmente quer ou deixa de querer; fui leviano ao expor esse pensamento; só quem está efetivamente dentro do poder, próximo a ele, tem condição de saber realmente alguma coisa sobre seu caráter e suas intenções; portanto, não deveria ter afirmado tal coisa.
                     *                                            *                                      *
Mas imagine que você encontra um navio abarrotado de piratas, principalmente na ponte de comando (e veja bem que estão na ponte de comando, não estão infiltrados no terceiro escalão da hierarquia do navio, não são clandestinos escondidos no porão, não estão camuflados no compartimento de carga; estão na ponte, são oficiais); e aí chega o capitão desse mesmo navio e diz que está a serviço da Guarda Costeira para defender o país.
Você acreditaria?
                     *                                            *                                      *
Minhas críticas ao ‘lulopetismo’, apesar de estarem necessariamente envolvidas em aspectos políticos, são mais de caráter humanista.
Irrita-me profundamente cada vez que vejo o cara (ele ou a ‘cria’), em alguma entrevista ou pronunciamento, desprezando ou menosprezando a leitura e o estudo, apesar de dizer que os estimula; são comentários toscos típicos de alguém que, além de nunca ter tido um contato mais profundo com uma formação universitária, ainda a considera como algo superficial; como se a ‘escola da vida’ bastasse, como se a dedicação aos estudos fosse desnecessária. E esse tipo de postura é, na minha opinião, o problema que mais dificulta o progresso do país (e não estou falando de progresso econômico, não; falo do progresso humano, que é de onde pode sair qualquer outro tipo de progresso). É cuspir no imenso patrimônio cultural, científico e filosófico da humanidade, construído por séculos e séculos com esforço, dedicação, sacrifício e até mesmo enfrentamento (veja Copérnico, Galileu, Giordano Bruno, Abelardo, Sócrates e vai por aí afora...).
Acho, sim, que, em vez de afirmar que tem preguiça de ler (sei lá pra que afirmar isso, deve ser o ‘eu quero é voto’), ele poderia simplesmente ficar calado, ou então dizer algo como “não tive chance ou oportunidade de dedicar-me ao estudo e à leitura, mas é isso o que deve ser estimulado, perseguido, buscado...”
Nunca o ouvi sequer sugerir tal coisa; muito pelo contrário, gabou-se várias vezes de ter chegado onde chegou sem ter estudado nem lido. E isso num país onde se lê tão pouco, onde a literatura deveria ser estimulada...! Num país onde o estudo ainda é extremamente desvalorizado, a menos que sirva como meio de enriquecimento material...! Num mundo onde a cada dia se torna mais evidente que sem educação e leitura país nenhum tem condição de prosperar ou melhorar...!
                                *                    *                     *
Diz que estimula a educação, mas se vangloria, em público, de ter chegado onde chegou sem nunca ter estudado. Será que não imagina que ao falar tais coisas está, ao contrário, desestimulando a educação? Será que não imagina que, aos que não possuem estudo e/ou leitura, esse tipo de discurso soa como um estímulo à perpetuação da ignorância? Será que não pensa que é como se estivesse dizendo ‘olha, eu cheguei onde cheguei sem estudo, então você também não precisa disso’?
Não dá pra entender ou pra engolir tal contradição. E eu, além de não entender, não concordo com esse tipo de postura. E me espanto ao ver alguém que de fato tenha se dedicado aos estudos defender esse tipo de gente.
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Ralei pra cacete pra poder ter um diploma universitário. Qualquer um que conheça meu passado pode confirmar isso. Li muito, estudei muito, esforcei-me muito. Ao contrário do Lula, eu cheguei onde cheguei com muito estudo e com muita leitura.
E me orgulho disso.
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Não que eu considere necessário uma pessoa ‘ter estudo’ pra poder se eleger. Democracia é isso aí, mesmo. Mas, como já falei antes, gente assim deveria ter bom-senso, no mínimo humildade, pra reconhecer que leitura e estudo são importantes; pra reconhecer que, não sabendo resolver todos os problemas, deve repassá-los a quem saiba.
Também não vejo nada disso. Ele passou o poder para a Dilma (e foi ele quem a elegeu, duvido que alguém possa contestar isso) e veja no que deu. Não acho que seja necessário ‘ter estudo’ pra saber que o país vai mal.
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Mas acho necessário ter estudo pra saber por que o país vai mal.
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O Lula conhece os problemas da maior parte da população do país, não duvido disso nem um pouco. Vivenciou na própria pele, inclusive, a maioria desses problemas, e isso é inegável. Mas ainda que não os tivesse vivenciado, a forma através da qual ele desenvolveu seu crescimento político o faria conhecer profundamente esses problemas, e de um jeito que a maioria dos políticos com certeza não conhecem. Ele passou mais de dez anos (desde a eleição de 1989) desenvolvendo um tipo de campanha eleitoral para a Presidência que envolvia viagens constantes pelo Brasil, visitando praticamente cada um dos cafundós do país; conversou muito, e durante muito tempo, com gente do país inteiro, pessoas comuns, gente simples... Ele conhece os problemas do povo, isso eu acho que é inegável, nunca duvidei disso, e acho que só um tolo duvidaria de tal coisa.
Ele conhece, e bem, boa parte dos problemas da maioria das pessoas do país. Não acho que se possa negar isso.
Mas sejamos pragmáticos: conhecer um problema, ainda que com profundidade, é condição suficiente para que se saiba como solucioná-lo?
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Se você está sentindo uma dor estranha no lado esquerdo do peito, a quem você recorre? Ao vizinho da frente, que está sentindo exatamente a mesma dor e que, portanto, a conhece muito bem? Ou a alguém que ‘tenha estudo’ pra sanar esse tipo de dor (no caso, um médico)?
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Conhecer um problema é condição suficiente para que se saiba como solucioná-lo?
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Mas partindo para uma outra linha de raciocínio, ainda focada na falta de estudo ou leitura: de uma pessoa que afirma ‘ter preguiça de ler’, espera-se que saiba o que sobre qualquer coisa? Que tipo de saber se pode esperar de alguém que afirma não ter lido, não ler e não gostar de ler?
Obviamente, o ‘saber’ obtido em conversas, o ‘saber’ que saiu da boca dos outros e que, também obviamente, foi assimilado, processado e reconstruído pela mente do ouvinte; porém, o ouvinte é alguém que não lê e que tem “preguiça de ler”; o que me leva a pensar em um saber construído com base em achismos; e isso, a meu ver, acarreta dois problemas sérios: primeiro, que o nível de subjetividade de um achismo dificilmente vai dar a algum indivíduo, qualquer que seja ele, o nível de competência necessária para que ele faça qualquer coisa que preste; segundo, se o saber dele foi construído com base nos achismos dos outros, quem são esses outros? Que tipo de gente contribuiu para a formação desse ‘saber’? (e aí você pensa em Dirceu, Genoíno, Delúbio, Palocci, Dilma, e vai por aí afora... Conclui-se o quê?)
Já me auto-contestei a respeito disso, de o ‘saber’ dele ter sido construído com base nos achismos dos outros, mas acho difícil imaginar alguma outra alternativa para alguém que não gosta de ler; e já antecipo o que penso para qualquer um que possa discordar disso.
Considerando que ele desenvolveu sua militância tanto sindical quanto política nas décadas de 1970 e 1980,  me parece razoável supor que ele tenha também concluído a maior parte de sua formação intelectual, ideológica e política ao longo desse mesmo período. E nessa época, quais seriam as alternativas, então, para alguém que não lê obter qualquer tipo de saber?
Lembrando que nesse período o país estava debaixo de uma ditadura militar, que os sistemas de comunicação eram muito precários, que existia censura (que só foi totalmente extinta em 1988), e ainda que qualquer sistema de comunicação está mais comprometido com a vontade dos anunciantes do que com o saber, que alternativas existiam para alguém que não lê?
O Rádio? Mas a programação das emissoras de rádio não era (e ainda não é) nenhuma fonte de sabedoria, ainda que nao fosse a censura.
A televisão? Vale aqui o que eu já expus sobre o rádio; e acrescento que nessa época só existiam canais abertos no país, e em pequena quantidade; não havia TV por assinatura, TV paga (que só entrou no Brasil a partir de 1991, e ainda assim de forma precária, só deslanchando mesmo a partir do ano 2000); agora, dá pra imaginar que ele completou sua formação intelectual com a Globo, a Record ou o SBT? Pra mim não dá. A única emissora de TV com programação realmente focada no saber era a TV Cultura, mas era controlada pelo governo, estava sob censura e duvido muito que ele a assistisse regularmente.
A internet? Não existia nos anos 70, só chegou no final dos anos 80, e em 1997 o número de usuários no país nem chegava a dois milhões; e era lenta, cara, pouco diversificada.
O que sobra, então, pra quem não gostasse de ler?
Achismos. Coisas que ouviu da boca dos outros. E isso, a meu ver, não torna ninguém competente para governar nem um bairro, quanto mais um país.
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Repito que minha crítica é mais humanista que política. Pra mim, que me dediquei aos estudos, e que por isso posso, hoje, avaliar o bem imenso que isso me fez e que pode fazer a qualquer um, chega a ser ofensivo ouvir alguém se vangloriar de não ‘ter estudo’, mais ainda se esse alguém ou gente dessa estirpe estiver no comando do país (repare que a ‘cria’ não consegue passar um único mês sem soltar algum pronunciamento absurdamente desarticulado).
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E depois ainda discutem teorias mirabolantes que possam explicar por que é que a educação no Brasil vai tão mal (aliás, tudo no país vai muito mal: economia, saúde, segurança, etc.); por que é que aqui há mais igrejas que escolas; por que é que institutos de educação pagam impostos e institutos religiosos não; por que é que um líder religioso possui mais privilégios e influência que um educador. A resposta é simples: quem traça os rumos da educação no país não sabe o que é isso; ou então sabe, e quer propositalmente prejudicá-la.
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Veja, por exemplo, a proposta do governo para reformular a Base Nacional Curricular do país (o segundo link vai para uma entrevista com Dave Peck, presidente da ONG britânica Curriculum Foundation, que é ‘parceira’ do MEC na elaboração dessa mesma base curricular):
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Repito que é impossível passar um único mês sem receber alguma notícia desagradável por parte desse governo, envolvendo corrupção ou incompetência.
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Pra quem não sabe, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é o ‘documento’ que vai definir as bases da educação no Brasil inteiro: objetivos de aprendizagem, orientação pedagógica e os conteúdos do currículo escolar, para a educação infantil, fundamental e médio; enfim, vai definir aquilo que não pode faltar na educação brasileira.
No que se refere à História, que é o que mais me preocupa, o Ministério da educação (com minúscula, mesmo) pretende que o ensino médio (colegial) inteiro seja focado no estudo da África, América indígena e América Latina, vendo apenas um pouco de Europa, América do Norte e Ásia, e isso só no 3º colegial; ou seja, ficam de fora toda a Antiguidade (Pré-História, Egito, Mesopotâmia, Fenícia, Pérsia... Inclusive Grécia e Roma), a Idade Média e boa parte da Idade Moderna (exceto a expansão marítima); o que se veria de Europa seria basicamente o século XX, e ainda assim pra relacionar com o colonialismo; ficam de fora também as Revoluções Francesa e Industrial, as Cruzadas e o Renascimento Comercial e Urbano, o islamismo, a Renascença... Astecas também ficam de fora, apesar de incluírem incas e maias (por quê? Só porque estavam na América do Norte?)... Guerra Fria também sai (mas falam da migração japonesa para o Paraguai)...
 Enfim, quase todos os contextos que permitiram o desenvolvimento do patrimônio científico-cultural construído pela civilização ocidental vai para o ralo (o surgimento do monoteísmo com os hebreus, a expansão do cristianismo, a democracia ateniense, o teatro grego, o direito romano, e mais Copérnico, Galileu, Michelângelo, Montesquieu, etc.).
E mesmo focando o Brasil, ‘esqueceram’ de incluir Tiradentes e a Inconfidência Mineira, a Conjuração Baiana, o ciclo do café e a modernização da economia rumo ao processo de industrialização...
Resumindo, estão estuprando a História; principalmente porque essa Base despreza o elemento tempo, o encadeamento de eventos que é, a meu ver, a matéria-prima da História. Alguém precisava avisar os caras que a elaboraram quais as diferenças entre História, Etnologia e Antropologia, porque acho que eles não sabem.
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A alegação dos que elaboraram a Base é de que a educação no Brasil tem que abandonar o eurocentrismo que durante tanto tempo marcou o ensino de História no país;  pra mim isso é simplesmente xenofobia anti-imperialista caduca, mas vamos lá: não vivemos num país que é pelo menos 80% fruto de antecedentes europeus? Adotamos sistemas políticos que são europeus (república, democracia, federalismo, tripartição de poderes); falamos um idioma que é europeu (o português); temos uma religião predominante que se estruturou na Europa (o cristianismo); vivemos debaixo de um modo de produção europeu (capitalismo); mesmo as propostas contrárias ao capitalismo nasceram na Europa (socialismo/anarquismo); o teatro é europeu (grego), tanto quanto a filosofia e quase todas as ciências; o Direito é europeu (Roma)...
E vai por aí afora...
Que se incluam os temas africanos, ameríndios e afro-americanos (coisas que, aliás, já existem), mas por que repudiar de maneira tão radical o resto todo, que forma, repito, a maior parte da nossa formação cultural? Dá a impressão de que querem fazer Pindorama reviver... Mas Pindorama não existe mais, o que existe é o Brasil, que é uma mistura de Pindorama com Portugal, mistura essa onde predominaram aspectos europeus!
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A mim parece só xenofobia. Anti-imperialismo distorcido, doente e caduco. Mentalidade de colônia, colônia que quer negar ter sido colônia. É a bosta renegando o cu de onde ela veio.
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Mas tem mais:
·         Pretendem incluir ensino religioso em todas as séries do ensino fundamental (9 anos), e isso partindo de um Estado que se diz laico a respeito de uma educação que deveria ser laica;
·         Pretendem incluir ‘linguagem digital’ (?) no ensino de Língua Portuguesa (escrita de internet);
·         A Geografia prioriza a geografia local;
·         A Filosofia e a Sociologia são fundamentadas no cotidiano, ou seja, exclui a História da Filosofia e da Sociologia, bem como deixa de fora algumas correntes de pensamento como a Metafísica e a Hermenêutica.
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Fora isso tudo que eu já falei até aqui, que envolve basicamente questões ‘pedagógicas’, ainda há outras coisas, que considero obscuras, em relação a essa Base Curricular:
· O MEC, quando divulgou a proposta em meados de 2015, dizia que a Base Curricular havia sido elaborada por “116 especialistas em educação”, mas não mencionava quem seriam esses especialistas; só depois de muita pressão por parte de grupos organizados é que o MEC finalmente decidiu identificar esses especialistas; hoje em dia estão todos devidamente relacionados no site do Ministério; mas a pergunta fica: por que não divulgaram logo no início quem eram essas pessoas?
· A elaboração da Base contou com o apoio de uma ONG estrangeira, a britânica Curriculum Foundation, presidida por Dave Peck; andei dando uma fuçada no site dela e vi que atua em vários outros países, como Qatar, Chile, Sudão, Zâmbia, Rwanda, e agora também no Brasil; na Inglaterra, mesmo, essa ONG só atua junto a empresas privadas de educação, que inclusive produzem material ‘didático’ baseados numa linha ‘globalizada’ de educação; e a proposta da ONG é bem clara no que se refere ao objetivo geral de promover uma “educação para o século XXI”, preparando os estudantes para um mundo globalizado; e as perguntas ficam: até onde foi a influência dessa ONG na montagem da Base? Por que o governo foi apelar para uma instituição estrangeira? Por que a maioria dos ‘parceiros’ dessa ONG não são os países ditos desenvolvidos? Qual seria o interesse em criar uma educação ‘globalizada’? Seria algum interesse mercadológico? Não é no mínimo curioso que um governo que se autoproclama “de esquerda” e “anti-imperialista” vá pedir auxílio a uma instituição estrangeira pra definir os rumos da educação do seu próprio país?
· O MEC afirma que essa versão da Base é só uma versão preliminar, tanto que abriu consultas públicas, qualquer um pode participar, dando sugestões ou críticas, pelo portal da BNCC no site do MEC; acontece que, inicialmente, o prazo para consultas públicas estabelecido pelo Ministério se esgotaria no dia 5 de dezembro de 2015; só depois de muita pressão o MEC resolveu adiar a data final; ora, que professor, que esteja na ativa, teria tempo pra analisar essa Base nessa época do ano, em pleno fechamento do ano letivo? Em meio a elaboração e correção de provas e exames, aulas de reforço, participação em conselhos...? Que professor? E a pergunta fica: será que queriam fazer isso depressa, à revelia dos professores, disfarçando o caráter autoritário das decisões? Será que planejaram isso? Como se pensassem: “a gente abre consulta pública até 5 de dezembro; como é fim de ano, ninguém vai ter tempo nem cabeça pra avaliar isso direito, então a gente aprova o plano na íntegra e depois, se vierem críticas, a gente diz que são críticas sem fundamento, já que demos prazo ‘suficiente’ para a sociedade se manifestar...”. Tal pensamento parece assim tão improvável?

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Agora, me responda você, leitor, se não estiver exercendo nenhum cargo político e se não for apadrinhado de ninguém: o pessoal que elaborou essa Base pensou nessas coisas todas?
Repito o que já escrevi linhas acima. Quando se pergunta por que é que a educação no Brasil vai tão mal, a resposta, pra mim, é simples: : quem traça os rumos da educação no país não sabe o que é isso; ou então sabe, e quer propositalmente prejudicá-la.
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Ó, já escrevi demais, o texto ficou bem mais longo do que eu imaginava, sinto-me na obrigação de parar por aqui, inclusive pra não cansar demais os leitores; e, de novo, deixar o resto para mais uma outra postagem, ainda tenho muito o que falar.
Fui misturar o “Sobre a Lula e o Zeppelin” com “O Reino da Mediocridade” e deu nisso. O assunto parece, de fato, inesgotável. Vou publicar isto aqui do jeito que sair, sem revisão nem nada, se alguém identificar algum erro, por favor, me avise. Como já falei antes, tô cansando disto tudo e tenho mais o que fazer, tenho outros projetos.
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Só mais uma coisa, pra encerrar.
Não sei se o que eu escrevi acima sobre a BNCC tem alguma conotação ideológica, alguma relação com o lulopetismo. A mim parece que sim, mas ainda é cedo pra afirmar isso. Eu precisaria expor minha análise ideológica do petismo, que é o que vou fazer na próxima postagem.
                       

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