3 de julho de 2013

O Reino da Mediocridade (I)


O REINO DA MEDIOCRIDADE (I)

Era uma vez um Reino.

Um Reino diferente, estranho, onde os súditos podiam escolher seu rei.

Um rei que não era exatamente um rei, já que no Reino não havia nem trono, nem coroa e nem cetro, e já que o rei era escolhido. Mas existiam palácios luxuosos, com cortes submissas e privilegiadas que eram sempre leais ao rei que não era rei, desde que mantivessem seus privilégios.

Tinha tudo para ser um ótimo Reino. Vastos recursos cuja obtenção não exigia muito, basicamente trabalho honesto e dedicado. Ausência quase completa de tragédias ou catástrofes, exceto as que eram provocadas pelo próprio rei e suas cortes, e essas poderiam ser facilmente evitadas já que os súditos podiam escolher seu rei.

Mas a mediocridade imperava e, como a mediocridade não se enxerga como tal e como podia escolher, o rei era medíocre.

Aos súditos faltava educação.

Às cortes faltava nobreza.

Ao rei faltava majestade.

E o rei, tendo chegado ao palácio graças à mediocridade dos súditos, a exaltava.

Gabava-se por não ter se instruído.

Gabava-se por não ter se instruído e, portanto, não se instruía e nem queria instruir.

Gabava-se por falar um único idioma, e não aprendia outro.

Gabava-se por ter obtido um diploma sem ter cursado uma universidade, e universidades passaram a ser meros cartórios a emitir certidões.

Gabava-se por ser proveniente do povo, mas não era mais do povo e não pretendia mais voltar a ser.

Gabava-se por ter feito muito, principalmente gabarolices.

Gabava-se.

Gabava-se, pois gabar-se era atraente à mediocridade.

Só não se gabava da própria mediocridade, pois a mediocridade não se enxerga como tal.

Mas seduzia.

Enfeitiçava.

Alienava.

E como era sustentado pela mediocridade, esforçava-se para perpetuá-la, alimentando-a, fortalecendo-a, poupando-a de tudo que a pudesse prejudicar, mesmo que esse ‘tudo’ fosse apenas uma boa educação, coisa que, aliás, ele podia dirigir, uma vez que era rei.

Mas era medíocre, e não sabia o que era uma boa educação (ou talvez soubesse, e aí a mediocridade seria de caráter). Mas pretendia saber. E era rei. E podia dirigi-la. E podia modelá-la. E podia controlá-la.

Assim sendo, todo o patrimônio intelectual da humanidade angariado com coragem e ousadia, todos os esforços e sacrifícios de séculos e séculos de investigação e de conhecimento, de erudição e de sabedoria, de conquistas e de experiências, foram passados a limpo.

O saber teria que se adaptar à mediocridade.

 Se isso era o melhor para o Reino ou para o futuro do Reino não importava, já que um rei medíocre e cortes medíocres não se interessavam por essas questões; bastava que tudo fosse respaldado pela mediocridade geral.

Aos educandários, então, bastava que gerassem relatórios, não bons cidadão para o Reino ou bons seres humanos para o planeta; que transmitissem diplomas, não conhecimento; que se mirassem nas cortes, não no futuro. Esses educandários eram fiscalizados, sim, e rigorosamente, em aspectos que as cortes consideravam importantes, ou seja, os índices elaborados pelas próprias cortes. Isso excluía a realidade, obviamente, e tal coisa era perceptível no cotidiano do Reino, mas apenas pelos que não eram medíocres. As cortes queriam índices, mas desde que fossem expressos em tabelas, gráficos, grades e números, e não no cotidiano do Reino que, como se via, não melhorava.

Dos mestres, era exigido que adaptassem o saber aos discípulos; e se o saber fosse violentado, ah, isso não importava! O mais fundamental era que os medíocres se sentissem sábios, que tivessem o diploma, como o rei o teve, mas sem os percalços da dedicação e do estudo. Era como se esperassem de um atleta a capacidade de conquistar uma medalha de ouro sem treinamento, como se quisessem mudar os critérios das provas para não ter que exigir nada dos competidores, como se quisessem uma maratona de cem metros porque era o que os maratonistas do Reino conseguiam correr.

Às crianças, bastava que frequentassem os educandários. Que tirassem notas, não proveito. O conhecimento deveria estar nos livros, não nas cabeças. E os livros nas estantes, não para que fossem lidos, mas para quando a mediocridade os quisesse expor. E os diplomas nas paredes, como troféus comprados por atletas que não treinam.

E, em meio a isso tudo, os geniais que se contivessem em seu conhecimento, que se calassem, pois isso poderia desmerecer os medíocres. E que o mestre não exigisse nada que fosse além da capacidade dos discípulos, o que significava na prática perpetuar a incapacidade dos mesmos. Tirar crianças e jovens das ruas era o que importava, pelo menos enquanto fossem crianças e jovens, para não denegrir a imagem do Reino. E pareciam não pensar que crianças e jovens, sempre e continuamente, teriam uma vida fora dos educandários, uma vida cidadã, uma vida de verdade e não uma vida de papel.

Mas nada disso parecia importar.

Apenas alguns súditos, estupefatos ante a tragédia, ousavam querer iluminar... Esperançosos em poder dizer, um dia, que era uma vez um Reino... Dizer que para sempre, uma última vez, que no passado era uma vez, que apenas era uma vez...

 

 

 

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