O REINO DA MEDIOCRIDADE (I)
Era
uma vez um Reino.
Um Reino
diferente, estranho, onde os súditos podiam escolher seu rei.
Um rei
que não era exatamente um rei, já que no Reino não havia nem trono, nem coroa e
nem cetro, e já que o rei era escolhido. Mas existiam palácios luxuosos, com
cortes submissas e privilegiadas que eram sempre leais ao rei que não era rei,
desde que mantivessem seus privilégios.
Tinha tudo
para ser um ótimo Reino. Vastos recursos cuja obtenção não exigia muito,
basicamente trabalho honesto e dedicado. Ausência quase completa de tragédias
ou catástrofes, exceto as que eram provocadas pelo próprio rei e suas cortes, e
essas poderiam ser facilmente evitadas já que os súditos podiam escolher seu
rei.
Mas a
mediocridade imperava e, como a mediocridade não se enxerga como tal e como podia
escolher, o rei era medíocre.
Aos súditos
faltava educação.
Às cortes
faltava nobreza.
Ao rei
faltava majestade.
E o
rei, tendo chegado ao palácio graças à mediocridade dos súditos, a exaltava.
Gabava-se
por não ter se instruído.
Gabava-se
por não ter se instruído e, portanto, não se instruía e nem queria instruir.
Gabava-se
por falar um único idioma, e não aprendia outro.
Gabava-se
por ter obtido um diploma sem ter cursado uma universidade, e universidades
passaram a ser meros cartórios a emitir certidões.
Gabava-se
por ser proveniente do povo, mas não era mais do povo e não pretendia mais voltar
a ser.
Gabava-se
por ter feito muito, principalmente gabarolices.
Gabava-se.
Gabava-se,
pois gabar-se era atraente à mediocridade.
Só não
se gabava da própria mediocridade, pois a mediocridade não se enxerga como tal.
Mas seduzia.
Enfeitiçava.
Alienava.
E como
era sustentado pela mediocridade, esforçava-se para perpetuá-la, alimentando-a,
fortalecendo-a, poupando-a de tudo que a pudesse prejudicar, mesmo que esse ‘tudo’
fosse apenas uma boa educação, coisa que, aliás, ele podia dirigir, uma vez que
era rei.
Mas
era medíocre, e não sabia o que era uma boa educação (ou talvez soubesse, e aí
a mediocridade seria de caráter). Mas pretendia saber. E era rei. E podia dirigi-la.
E podia modelá-la. E podia controlá-la.
Assim sendo,
todo o patrimônio intelectual da humanidade angariado com coragem e ousadia,
todos os esforços e sacrifícios de séculos e séculos de investigação e de
conhecimento, de erudição e de sabedoria, de conquistas e de experiências,
foram passados a limpo.
O saber
teria que se adaptar à mediocridade.
Se isso era o melhor para o Reino ou para o
futuro do Reino não importava, já que um rei medíocre e cortes medíocres não se
interessavam por essas questões; bastava que tudo fosse respaldado pela
mediocridade geral.
Aos
educandários, então, bastava que gerassem relatórios, não bons cidadão para o Reino
ou bons seres humanos para o planeta; que transmitissem diplomas, não
conhecimento; que se mirassem nas cortes, não no futuro. Esses educandários eram
fiscalizados, sim, e rigorosamente, em aspectos que as cortes consideravam
importantes, ou seja, os índices elaborados pelas próprias cortes. Isso excluía
a realidade, obviamente, e tal coisa era perceptível no cotidiano do Reino, mas apenas pelos
que não eram medíocres. As cortes queriam índices, mas desde que fossem expressos
em tabelas, gráficos, grades e números, e não no cotidiano do Reino que, como
se via, não melhorava.
Dos
mestres, era exigido que adaptassem o saber aos discípulos; e se o saber fosse
violentado, ah, isso não importava! O mais fundamental era que os medíocres se
sentissem sábios, que tivessem o diploma, como o rei o teve, mas sem os
percalços da dedicação e do estudo. Era como se esperassem de um atleta a capacidade
de conquistar uma medalha de ouro sem treinamento, como se quisessem mudar os
critérios das provas para não ter que exigir nada dos competidores, como se
quisessem uma maratona de cem metros porque era o que os maratonistas do Reino
conseguiam correr.
Às
crianças, bastava que frequentassem os educandários. Que tirassem notas, não
proveito. O conhecimento deveria estar nos livros, não nas cabeças. E os livros
nas estantes, não para que fossem lidos, mas para quando a mediocridade os
quisesse expor. E os diplomas nas paredes, como troféus comprados por atletas que
não treinam.
E, em
meio a isso tudo, os geniais que se contivessem em seu conhecimento, que se
calassem, pois isso poderia desmerecer os medíocres. E que o mestre não
exigisse nada que fosse além da capacidade dos discípulos, o que significava na
prática perpetuar a incapacidade dos mesmos. Tirar crianças e jovens das ruas
era o que importava, pelo menos enquanto fossem crianças e jovens, para não
denegrir a imagem do Reino. E pareciam não pensar que crianças e jovens, sempre
e continuamente, teriam uma vida fora dos educandários, uma vida cidadã, uma
vida de verdade e não uma vida de papel.
Mas nada
disso parecia importar.
Apenas
alguns súditos, estupefatos ante a tragédia, ousavam querer iluminar... Esperançosos
em poder dizer, um dia, que era uma vez um Reino... Dizer que para sempre, uma
última vez, que no passado era uma vez, que apenas era uma vez...
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