BOLSA FAMÍLIA
No início do mês de maio a TV
Cultura, em seu noticiário noturno, expôs uma reportagem sobre o ‘Bolsa
Família’, que chegava aos dez anos de existência e “entrava na segunda geração”.
Logo em seguida desenvolveu-se um microdebate entre os comentaristas
convidados, Ayrton Soares e Marco Antônio Villa, um a favor e outro contra. Achei
que os argumentos apresentados refletiam uma controvérsia de âmbito nacional e
eu, como talvez grande parte dos telespectadores, me senti tentado a opinar
sobre o assunto, sem, entretanto, chegar a interagir com o noticiário via
internet, como vários outros faziam.
Mas essa tentação ganhou força
depois que vi, numa página do Facebook chamada “A Roça”, a foto de uma enxada golpeando
a terra sob a qual se lia a seguinte frase: “Esse era o bolsa família de 40
anos atrás”. A foto, que inclusive compartilhei no meu próprio mural, trazia
consigo dezenas de comentários, e os argumentos expostos eram mais ou menos os
mesmos que eu havia visto na televisão, tanto contrários quanto favoráveis: que
cria assistencialismo, que gera dependência, que acomoda, que “petrifica a
miséria” ao invés de reduzi-la; ou então que distribui renda, que tira as
crianças das ruas, que incentiva a educação na medida em que estimula as
famílias a mandarem seus filhos à escola, afastando-os das drogas, da
criminalidade, da violência...
E este último tipo de argumento
favorável, bastante frequente, aliás, de que o programa contribui para a educação
por exigir das famílias que mantenham os filhos na escola, é o que eu considero
mais danoso nisso tudo. Não adianta estar na escola e ter frequência, escola
não é reformatório. A escola, que deveria ser um centro de educação e aperfeiçoamento
intelectual torna-se meramente um artifício para aquisição de algum benefício
imediato, material e palpável; como se a finalidade do Saber fosse fundamentalmente
a remuneração; como se o Saber exigisse comprometimento com qualquer coisa que
não seja ele próprio enquanto meio de engrandecimento da pessoa humana e, por
extensão, da sociedade como um todo. Escola deve ser frequentada por gente que
quer instruir-se, deve estar disponível como instrumento de evolução e não como
alternativa à ociosidade ou à criminalidade. Nesse caso, melhor seria atrelar o
recebimento do ‘benefício’ ao cometimento de qualquer infração ou crime por parte
de algum membro da família do beneficiário, incluindo ele próprio, que
produzisse cancelamento imediato do mesmo caso tal coisa viesse a ocorrer.
Além do mais, aos que consideram
que ‘estar na escola pelo menos ajuda’, penso ser evidente que os mecanismos de
avaliação de rendimento são manipulados ou errôneos. Basta observar o que se
passa pelo país: estagnação da produtividade, aumento do consumo de drogas, aumento
da violência, da criminalidade, da violência da criminalidade... E isso
partindo de jovens cada vez mais jovens... Tais coisas acontecendo, enquanto se
discute inutilmente a questão da maioridade penal, são, a meu ver, um indicador
incontestável de que tudo o que se afirma estar fazendo pela educação é, no
mínimo, ineficaz, quando não prejudicial.
E se o programa já está entrando
na segunda geração, essa constatação, por si só, já pode ser considerada como indício
de que é falho, ineficiente, no mínimo inútil em termos de país ou de
sociedade, ainda que seja considerado vantajoso pelos que dele se “beneficiam”;
pois se já entra na segunda geração pode-se concluir que a geração precedente
não conseguiu (ou não quis) gerar renda, gerar riqueza.
Ou seja, o Bolsa Família pode até
tirar o indivíduo da pobreza, mas não tira a pobreza do indivíduo.
E acho até que é por isso que
somos um povo pobre. Associamos riqueza a dinheiro, não a trabalho. O que provavelmente
nos fará ruminar nossa pobreza por várias e várias gerações, ainda. O que nos
fará continuar acreditando que pobreza se resolve somente com dinheiro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário