O REINO DA
MEDIOCRIDADE (II)
Há tempos
venho tentando escrever este segundo ‘Reino da Mediocridade’ sem, entretanto,
publicá-lo. Pelo menos desde julho, quando publiquei o primeiro.
Por quê?
Porque a
cada vez que eu imaginava um exemplo absurdo de mediocridade sobre o
qual eu poderia escrever, mal eu iniciava a redação e logo em seguida aparecia
um outro, o que me levava a tentar incluí-lo também; só que antes que eu
terminasse de incluir esse outro aparecia outro, e depois outro, e outro, e
outro... Comecei a perceber que o assunto era inesgotável, fecundamente
inesgotável, e que se eu fosse incluir todos eles num único texto, com uma
redação bem elaborada como no primeiro, não terminaria nunca.
Resolvi
publicá-lo hoje, com todos os tópicos (sem nada de rebuscado), porque anteontem
(dia 25 de janeiro de 2014) a mediocridade superou-se no que havia (ou há) de
mais inimaginável.
O
cantor e compositor Renato Teixeira (http://www.renatoteixeira.com.br/site/) deu um
show no Espaço Vívere Eventi (http://www.vivereeventi.com.br/), aqui em
Araçatuba, organizado pelo SESCOOP – Serviço Nacional de Aprendizagem do
Cooperativismo no Estado de São Paulo (http://www.ocb.org.br/site/sescoop/).
E famílias
inteiras tiveram que voltar pra casa porque foram impedidas de entrar devido a
um alvará que proibia a permanência, no recinto, de menores de 12 anos de
idade, mesmo estando na companhia dos próprios pais! O alvará em
questão, requerido pelo representante da SESCOOP, Sr. Jeferson Pasqualoto,
assinado pelo Exmo. Sr. Dr. Adeilson Fereira Negri, e datado de 24 de janeiro
de 2014 provocou uma série de situações constrangedoras. Cenas de revolta,
decepção e tristeza (presenciei várias delas nos quinze minutos que fiquei do
lado de fora do recinto, atônito, tentando entender as razões de tal decisão)
eclodiam aos montes em meio ao absurdo insólito da situação. Casais
desconcertados com suas crianças de colo, pais cabisbaixos tentando explicar o
que acontecia a seus filhos pequenos, crianças chorando sem saber por que
estavam sendo impedidas de entrar...! Todos com os ingressos nas mãos tentando
entender o que ocorria... Inclusive gente que já fez (e faz) muito mais pela
vida cultural da cidade do que qualquer um dos organizadores do evento! Gente
de bem! Tanto que não presenciei nenhum gesto ou atitude de insubordinação,
desafio ou desacato. Gente culta, gente de bem, consciente tanto dos seus
direitos quanto de sua impotência perante o poder público! Entristecida,
revoltada, enraivecida, mas sem reagir com ignorância à ignorância da qual
estavam sendo vítimas!
E todos
impotentes, de mãos atadas...! Era a lei...! Era o ‘todo poderoso’ aparelho de
Estado atropelando o cidadão de bem com toda a sua mediocridade.
E não se
trata só de questionar se essa decisão foi tomada por iniciativa do requerente
do alvará ou do Sr. Juiz que o emitiu. É mais do que simplesmente culpar
alguém. Está além disso.
Primeiro, quais
razões teriam levado alguém a proibir a permanência de menores de 12 anos
no recinto. Não consigo pensar sequer em uma! Um espetáculo musical, sem
nada de ofensivo ou degradante, muito ao contrário, com um cantor nacionalmente
reconhecido, de boa música sertaneja de raiz (e não essa ‘breguice’ medíocre de
‘agroboys’), num show respeitável e
respeitoso de menos de duas horas de duração...! E num ambiente onde não havia
sequer um único bar vendendo nada, nem água! Por que impedir o acesso de
crianças a esse tipo de espetáculo? Principalmente se considerarmos o que
acontece anualmente na exposição agropecuária de Araçatuba, onde, por diversas
vezes ao longo de mais de uma semana, artistas medíocres vomitam
indiscriminadamente (inclusive sobre crianças menores de 12 anos) seu
repertório vulgar em apresentações também medíocres (e às vezes ainda permeadas
de obscenidades em palavras, gestos e coreografias), e isso num ambiente
caótico onde se pode, inclusive, consumir bebidas alcoólicas a cada vinte ou
trinta metros!
Isso pode?
Pode,
vivemos no Reino da Mediocridade. E a mediocridade é tanta que, depois de
publicar este texto, certamente algum imbecil vai propor alguma restrição à
permanência de crianças na exposição agropecuária.
Segundo, e
independentemente das razões que levaram a tal proibição (se é que existem), o
que se deve considerar, ainda e talvez acima de tudo, é o papel do
Estado, ainda que num nível municipal, na vida do cidadão que normalmente só
quer levar a vida em paz sem ser atrapalhado em seu cotidiano já tão
minuciosamente controlado e limitado. A coisa toda foi de um absurdo
imensurável, mas ninguém podia fazer nada, absolutamente nada! Não havia a
quem recorrer (polícia, tribunal, ONG, nada), pois tratava-se de uma
decisão judicial já estabelecida! Não havia o que fazer, era fato
consumado, qualquer atitude contestatória se transformaria depois num imenso
problema judicial, acarretaria ‘as penas da lei’, como manifesto no alvará;
essas mesmas ‘penas da lei’ que, como se vê nesse episódio, não foram feitas
para beneficiar o cidadão de bem que, mesmo sendo pacato, acaba sendo vítima
tanto dela quanto do poder que a faz ou aplica. Pais foram mutilados em seus
direitos de proporcionarem a seus filhos um espetáculo de extrema riqueza
cultural, e que poderia enriquecer, e muito, a formação musical dessas mesmas
crianças que foram impedidas de entrar; e por parte do mesmo poder público que
deveria garantir esse direito; e numa cidade onde eventos culturais de
qualidade nacional são escassos; e num evento que se propunha a ‘estimular a
vida cultural da cidade’ (conforme dito ao microfone pelos organizadores do
evento)...
A situação
me pareceu, de fato, muito revoltante (tanto que estou escrevendo sobre ela).
Enfim,
resolvi publicar este “Reino da Mediocridade II” no sopetão, sem nada de
rebuscado, como já escrevi antes nos primeiros parágrafos deste texto; porque
se eu for incluir todos os absurdos medíocres que presencio vou passar o resto
da vida só escrevendo, sem nunca terminar. É muita coisa, esse episódio do dia
25 foi só a gota d’água, o empurrão final.
Segue
abaixo os rascunhos de tudo o que eu já havia escrito e pensava publicar de
forma mais adequada em termos literários, sem muita preocupação estética.
No Reino da
Mediocridade...
Os jovens
podiam votar já a partir dos 16 anos de idade. Não podiam dirigir um carro,
pois a carteira de habilitação só podia ser requisitada a partir dos 18 anos;
mas podiam votar. Ou seja, podiam dirigir o país mas não podiam dirigir um
automóvel.
Menores de
18 ano também não podiam jogar bilhar, apesar de poderem jogar videogames onde
tinham condição de portar armas de todos os tipos, atirar à vontade, arrancar
cabeças, explodir pessoas, roubar carros, atropelar velhinhas e crianças,
espancar, mutilar... Ou seja, todas as atrocidades que violentam a civilidade e
caracterizam a barbárie eram permitidas quando se tratava de um videogame, mas
jogar bilhar não se podia, nem na companhia dos próprios pais; pois
provavelmente os legisladores consideravam que jogar bilhar poderia, de alguma
forma, corromper os jovens em seu caráter.
Faziam
leis, ah, como faziam! Adoravam isso! Mesmo as mais imbecis! E os súditos,
sempre coniventes, apoiavam e pediam mais! Nunca se fartavam de mediocridade!
Alguns legisladores até faziam campanha eleitoral alardeando que eram os que
mais projetos de lei apresentavam! Se essas leis eram ou não fundamentadas no
bom-senso era irrelevante, pois era o Reino da Mediocridade. O que importava
era a quantidade de leis.
Não
gostavam de cigarros, então o proibiram, mas somente em ambientes fechados. E
disso resultou que os fumantes tinham que se dirigir aos bosques, às praças,
aos ambientes ditos ‘abertos’ para poderem fumar. Criou-se, assim, uma situação
inusitada: bares e boates estavam com
ar puríssimo, dignos de uma UTI de hospital de primeiro mundo; e os bosques e
as praças (onde pessoas
sensatas poderiam esperar respirar ar puro) exalavam fumaça, estavam poluídos. E
isso sem falar na liberdade de escolha que aleijaram, impedir as pessoas de
escolherem se preferiam abrir mão da fumaça ou do ar puro (transformaram ar puro
em opção, não em direito).
Faziam
leis. Porque leis são feitas para soterrar argumentos, já que argumentos
convencem e leis são feitas para obrigar.
Era tudo
muito estranho.
Criaram um
estado laico, ou seja, desvinculado da religião. Mas o dinheiro que emitiam e
que circulava livremente continha a inscrição ‘Deus Seja Louvado’; e sua
Constituição fora promulgada ‘em nome de Deus’.
Era
estranho.
A ‘propina’
era legalizada com vários outros nomes diferentes e imposta aos súditos. Você, enquanto súdito, tinha que pagar a
eles para poder comprar alguma coisa com o seu dinheiro (porque eles, e
só eles, os sábios legisladores da Corte, tinham poder para permitir isso); mas
depois disso você, o súdito, que havia comprado um bem com o seu dinheiro,
ainda tinha que continuar pagando a eles pelo que você já tinha pago (para os
menos entendedores, IPTU, IPVA, IR e outras siglas mais que eles inventaram
para não falar ‘propina’, pois propina era proibido); ou seja, você tinha que
pagar para manter o que você já havia adquirido.
Educação
era alvo de legislação, não de argumentação. Parece que não queriam que
argumentassem; bastava ceder, não compreender.
Precisavam
que se obedecesse, nada mais. E ainda inventaram uma série de leis para se
protegerem da argumentação (tinha algo a ver com ‘desacato à autoridade’).
Era o único
reino do mundo no qual se considerava que educação deveria ser objeto mais de
legislação que de educação. Afinal de contas, todos tinham por certo que quem
fazia as leis era educado, instruído, culto e sábio.
Os outros
não. Os outros eram só ‘rebeldes’, terroristas, oportunistas que só queriam
aparecer.
Proibiram
celulares nas escolas; era mais fácil que convencer. Proibir não era lá o que
se pudesse chamar de educar, ainda mais em uma escola; mas era mais fácil e ainda fazia as Cortes melhor vistas pelos súditos esfomeados por leis.
Com certeza
estavam tramando também implantar uma lei que obrigasse a levantar a tampa da
privada. Afinal de contas, mijar aonde os outros vão se sentar não era considerado
boa educação. E as Cortes sabiam que educação só se adquire com leis. Sabiam que educação era algo a ser imposto, não aprendido. E com
certeza algum estúpido iria, depois, legislar sobre a obrigação de chacoalhar
depois de mijar, querendo ‘aperfeiçoar’ a lei, sem nunca questionar se ela deve
ou nãos ser feita ou aplicada. Afinal, era lei, não regra; regra se poderia
discutir, negociar e combinar, mas isso não era interessante; colocaria a
‘sabedoria’ das Cortes sob a avaliação de cidadãos ‘oportunistas’.
Tomar uma
lata de cerveja e pegar um carro pra dirigir era algo inadmissível, pois
afirmavam que quem fazia isso não estaria em condição de conduzir um veículo e
ao mesmo tempo estaria assumindo o risco de matar; mas tomar baldes de cerveja
e pegar um revólver, ah, esse não fazia
nada de errado que motivasse a elaboração de uma lei desse tipo! Não,
claro que não! Quem toma uma cerveja e empunha uma arma está perfeitamente em
condições de conduzi-la! E quem empunha uma arma jamais estaria assumindo o
risco de matar! Jamais! Estaria, talvez, querendo... Vejamos... Caçar...?
Milhões de
súditos foram às ruas protestar contra um aumento de vinte centavos nas
passagens de ônibus de uma única cidade do Reino; mas alguns meses depois,
nessa mesma cidade, os impostos imobiliários seriam aumentados em mais de 50% e
ninguém foi pras ruas; provavelmente já imaginando que iriam todos acabar nas
ruas, mesmo, cedo ou tarde, pois não aguentariam pagar esses impostos...
Afinal,
esse era o Reino da Mediocridade...
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