A Lula, o Zeppelin e o
Reino da Mediocridade
(continuação)
Continuando. E este aqui
também vai meio truncado, meio longo, meio sem preocupação literária e meio a
fim de encerrar logo com este assunto.
Tendo analisado e exposto de
forma suficientemente clara, penso eu, o meu posicionamento político em
relação ao lulopetismo, passo agora a analisar a questão pelo ponto de vista ideológico,
dizendo, novamente, que é esse o elemento que mais me incomodou nas críticas
que recebi à paródia.
* * *
Esses, que me criticaram em
bases pseudo-ideológicas, levaram a coisa para um rumo que não tracei,
desenvolvendo uma linha de raciocínio que não é a minha e concluindo absurdos
que eu, nem de longe, sequer sugeri; fui rotulado, explícita ou implicitamente,
de reacionário, conservador, direitista, burguês e tudo o mais que se puder
pensar como sinônimo de ‘inimigo das esquerdas’.
* * *
Imagino que isso tenha
ocorrido porque, considerando o tipo de argumentação que li ou ouvi, dá pra
concluir, sem muito esforço, que quem me criticava (anonimamente ou não) era um
defensor das ‘esquerdas’, supostamente representadas pelo PT; e, dentro dessa
lógica, qualquer crítica ao petismo (ainda que numa simples paródia) poderia
mesmo ser considerada como coisa ‘das elites’, como ‘discurso burguês’ de quem
é anti-esquerda e, teoricamente, contra o povo.
* * *
Mas a coisa não é bem assim. Além
de eu não ser um defensor ‘da direita’ (e eu efetivamente não sou), se o
petismo/lulismo é a representação das esquerdas, então minhas noções de direita
e esquerda estão completamente equivocadas; ou então eu sou o Peter Pan vivendo
na Terra do Nunca, porque a única coisa que eu considero como sendo de esquerda
no petismo é o discurso; e mais nada; não reconheço nele nem postura, nem atitude
e nem ideologia de esquerda.
O lulopetismo, pra mim, é só
uma versão reeditada e mal feita do populismo.
* * *
Até onde eu sei, a esquerda real
deveria envolver, em atitude e pensamento, pelo menos em algum nível, elementos
do socialismo e/ou do anarquismo que não estivessem somente no discurso, além de
possuir alguma relação, direta ou indireta, com o jacobinismo francês da
Revolução de 1789 (que é, aliás, de onde vem o uso das palavras ‘esquerda’ e
‘direita’ pra identificar essa ou aquela corrente político-ideológica).
Não vou aqui discorrer sobre
História ou Filosofia, mas pense em Marx, Engels, Fourier, Proudhon, Babeuf,
Kropotkin, Bakunin, Lênin, Trotsky, Malatesta, Che Guevara, Mao Tsé Tung... E,
especificamente no Brasil, Luís Carlos Prestes e Carlos Marighella, ambos perseguidos
e presos várias vezes justamente por serem comunistas... Esses caras todos que
eu citei, bem suas ideologias, são ‘de esquerda’, não são? Seria possível
discordar disso?
Acho que não.
* * *
Pois bem, se eu estou pensando
corretamente e esses caras todos são, de fato, representantes fidedignos da
esquerda, o que comporia (ou deveria compor) essa esquerda?
O combate ao capitalismo, suas
desigualdades econômicas e sociais, e sua economia de mercado; o combate ao
clericalismo (podendo chegar ao ateísmo); o combate ao lucro, ao predomínio do
capital, à exploração sobre o proletariado e aos privilégios das elites em
geral (incluindo aí o clero); o combate ao latifúndio e a execução de uma reforma
agrária; a fundamentação ideológica em conceitos como a mais-valia e a luta de
classes...
Estou falando besteira?
Se não estou, e se isso que eu
citei acima pode ser realmente considerado como sendo verdadeiramente ‘a esquerda’,
‘a direita’ seria necessariamente, então, o oposto disso tudo: a defesa do
capitalismo, do lucro, do mercado, da propriedade privada, do nacionalismo, do
elitismo e etc.
* * *
Ora, disso tudo o que eu citei,
o que é que existe no petismo que pode realmente ser considerado ‘de esquerda’,
além da retórica? Retórica essa que, repito, pra mim é demagogia populista?
* * *
Nada. Não identifico nada de
esquerda no petismo, a não ser o discurso; nem postura, nem atitude e nem
ideologia, se é que possui alguma; de fato, coloco em dúvida a existência de qualquer
fundamentação ideológica no lulopetismo, a não ser como roupagem; ou então por
parte daqueles que, ingenuamente ou não, seguem essa corrente política; mesmo
porque o problema maior, aí, é a competência intelectual: dificilmente alguém
que ‘tem preguiça de ler’ pode ter uma estrutura ideológica consistente; pode
até ser bem assessorado por parte de quem a tenha, mas esse não parece ser o
caso, basta ver a situação na qual o país se encontra atualmente (dizem que a
culpa disso é da ‘direita’, das ‘elites’, mas será? Uma presidente que manda
para o Congresso uma propsta orçamentária com um rombo de bilhões, não é como
se estivesse declarando: ‘olha, eu não sei administrar as contas públicas,
virem-se vocês pra resolver isso!’? Isso não é um indicador de bom
assessoramento).
Agora, se eu estiver errado e
o PT for, de fato, ‘de esquerda’, então é uma esquerda cheia de esquisitices, muito
diferente do que eu imaginava que fosse ou que pelo menos poderia ser (e eu já me
adianto declarando veementemente que não sou socialista).
* * *
O número de assentamentos da
reforma agrária petista não param de declinar desde 2006, e muito; além disso, acho
difícil imaginar gente como o Che Guevara ou o Luís Carlos Prestes participando,
como o Lula já fez várias vezes, como convidados especiais dos churrascos nos
latifúndios do Bumlai (seria esquisito, não? O Bumlai manifestando apoio ao
Guevara?).
* * *.
O petismo se diz
nacionalista...
Mas penso ser razoavelmente
consensual encarar o nacionalismo como uma ideologia original e essencialmente burguesa
(e qualquer estudante de colegial pode verificar isso em qualquer livro de
História): basta ver a formação das Monarquias Nacionais europeias durante a
Baixa Idade Média, destinadas, em parte, a suplantar barreiras feudais
ao comércio para criar mercados que fossem nacionais (não são chamadas de
Monarquias Nacionais à toa); ou a “Primavera dos Povos” no séc. XIX,
quando o ideal de ‘nação’ foi bastante estimulado, em parte para combater as
reminiscências do Antigo Regime, consolidando a burguesia no poder, e em parte
para que ela pudesse conquistar seus próprios mercados, seja através de
separatismo (no caso da Bélgica), seja através de unificação (nos casos da
Alemanha e da Itália); ou mesmo a 1ª Guerra Mundial, que foi uma guerra burguesa
por mercados coloniais, onde o ‘nacionalismo exaltado’ foi um de seus
componentes)...
Vou considerar, portanto, o
nacionalismo como uma ideologia burguesa; e considere você, leitor, que
nacionalismo não é sinônimo de anti-imperialismo; esses dois elementos podem andar
juntos, podem mesclar-se, complementar-se, mas não são a mesma coisa; é
perfeitamente possível ser anti-imperialista sem que se seja necessariamente um
nacionalista (como no caso dos anarquistas, por exemplo).
Ora, uma das ‘utilidades’ da
ideologia nacionalista (e não é a única), para a burguesia, é justamente
neutralizar o ideal de luta de classes, que é um dos fundamentos de toda e
qualquer esquerda, principalmente o socialismo. O ideal de ‘povo’ enquanto
nação é um instrumento burguês de tentar fazer crer que laços culturais (como
idioma, costumes e crenças) são mais relevantes e importantes que divergências econômicas
(luta de classes) dentro dessa mesma ‘nação’ (burguesia X proletariado); repare
que as associações proletárias fundamentadas no socialismo, desde o século XIX,
eram chamadas coerente e intencionalmente de “Internacionais”, justamente para
confrontar o nacionalismo burguês; e repare, também, que o Manifesto Comunista
de Marx e Engels, em 1848, alardeava “Proletários de todo o mundo,
uní-vos!”, numa clara afronta ao nacionalismo, pois este tende a ocultar ou
disfarçar a luta de classes, uma das bases do marxismo.
Pois bem, o petismo, apesar de
proclamar-se ‘nacionalista’, também se
diz ‘de esquerda’...
E eu pergunto: como?
Como é possível que um partido
que se diz ‘de esquerda’, e que portanto deveria estar fundamentado no ideal de
luta de classes, ao mesmo tempo se proclame como nacionalista, que sendo uma
ideologia burguesa é uma ideologia de direita?
Como?
Como é possível conciliar
socialismo com nacionalismo?
Tem gente que consegue. Há um
caso desses na história, bastante conhecido, que conseguiu conciliar socialismo
com nacionalismo: o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (em
alemão, Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei); que, abreviado,
torna-se ‘nazi’: o Partido Nazista; que dizia que era, ao mesmo tempo,
nacionalista e socialista; e que, apesar de ser um partido ‘socialista’, era
anti-comunista; e que também era um partido ‘dos Trabalhadores’, pelo menos no
nome.
Esquisito, não?
* * *
E ainda que não se leve em
conta a contradição exposta acima, e ainda que o petismo seja nacionalista, é
um nacionalismo esquisito. Se o Estado, nessa lógica, deve ser um representante
da ‘nação’, e esse Estado é brasileiro e é controlado por um partido que se diz
nacionalista, a qual nação esse Estado deveria privilegiar?
À nação brasileira, óbvio (ou
não?).
Entretanto, o presidente da Bolívia, Evo
Morales, em 2006 confiscou (confiscou não, desculpem-me, ‘nacionalizou’) por lá
uma refinaria da PETROBRÁS (que teoricamente deveria pertencer à ‘nação’
brasileira), provocando um prejuízo imediato de cerca de 100 milhões de dólares
e acarretando um prejuízo mensal, daí pra frente, de cerca de 9 milhões de
dólares por mês; e qual o posicionamento do ‘chefe da nação brasileira’
em relação a isso? Veja:
Mas tá certo, ele é um
‘nacionalista’, e o nacionalismo, ainda que seja o boliviano, deve ser
estimulado; mesmo que prejudique uma empresa que, no discurso dele, pertence ao
‘povo brasileiro’, é um patrimônio ‘nacional’; não deve, inclusive, ser
privatizada, senão vai acabar deixando de ser uma empresa ‘brasileira’ e cair
sob controle estrangeiro.
E o governo da Bolívia é o
quê? Brasileiro também?
E dos mais de cinco bilhões de dólares que a Bolívia lucra anualmente com exportações de gás natural, 75% são pagos pelo Brasil... E a PETROBRÁS voltou a investir por lá, inclusive em projetos sociais (um milhão de dólares):
Nacionalismo esquisito, esse,
hein?
* * *
Paralelamente, a ‘nação
brasileira’, através do BNDES, tem financiado empreendimentos de milhões de
dólares em Cuba (porto de Mariel, US$ 682 milhões), na Venezuela (segunda ponte
sobre o Rio Orinoco, US$ 300 milhões), em Moçambique (Barragem de Moamba Major,
US$ 350 milhões), no Equador (Hidrelétrica Manduriacu, US$ 90 milhões, cujas
obras estão, aliás, desde março de 2015, sob investigação do governo
equatoriano por suspeita de corrupção)... E ainda tem mais (Angola, Chile), mas
não vou enumerar tudo.
Dinheiro que sai do bolso da
‘nação brasileira’... Dinheiro que está faltando aqui dentro, como todos sabem...
Eles dizem, é claro, que isso
tudo é em benefício da ‘nação brasileira’ como um todo. Que essas coisas todas
vão estimular a economia brasileira, pois esses recursos acabarão
ficando por aqui, já que as empresas encarregadas de tais obras são, de fato,
brasileiras.
Mas quantos (e,
principalmente, quais) indivíduos componentes da ‘nação brasileira’ vão
acabar embolsando esses recursos? Os empregados, que compõem a maioria da
‘nação’? Ou os empregadores, que são uma minoria? O proletariado ou a burguesia?
Será que os trabalhadores da
Odebrecht, por exemplo, terão sua renda aumentada devido a essas obras? Ou o
que vai aumentar é o lucro do empresariado?
Não é um nacionalismo
esquisito, esse da ‘esquerda’?
* * *
Mas e se algum outro país também
quisesse construir ou reformar um porto, uma ponte ou uma hidrelétrica por aqui?
Ah!, isso não seria tolerado!
Isso seria considerado uma penetração imperialista e a ‘esquerda’ é anti-imperialista! E estrangeiro construindo
portos, pontes ou hidrelétricas no Brasil seria imperialismo, tal e qual os EUA
fizeram com o canal do Panamá.
Mas não se importaram com a
perda da refinaria na Bolívia (2006) e nem com o fato de que hidrelétricas já
prontas (construídas com o dinheiro da ‘nação’, diga-se) caíram sob controle
chinês (2015). Isso pode, isso não é imperialismo.
Admitir um órgão estrangeiro participando
da elaboração dos rumos da educação ‘nacional’, isso também pode. Isso não é
imperialismo.
Esquisito esse nacionalismo
anti-imperialista, não?
* * *
Volto a dizer (chato você ter
que ler isso a todo instante, mas quero deixar o mínimo possível de margem pra
ambiguidades naquilo que escrevo): não estou querendo defender ideologia
nenhuma, sequer a minha; estou só querendo identificar o que, a meu ver, são
contradições da ‘esquerda’ petista; quero clareza, quero ver o que tem de
sensato nisso tudo.
* * *
Toda esquerda que se preze,
desde que passou a existir, com a Revolução Francesa, é anticlerical, podendo
radicalizar esse anticlericalismo até as profundezas do ateísmo (como no caso
soviético); mas, no mínimo, reduz, quando não extingue completamente, pelo
menos alguns dos privilégios do clero quando chega ao poder.
E o que o petismo fez em
relação a isso? Combateu os privilégios do clero, qualquer que seja ele? Ou aumentou
e/ou ampliou esses privilégios? Ou simplesmente deixou tudo ficar como já
estava?
Na minha opinião (e repare que
estou sendo até otimista ao afirmar isso), deixou tudo como estava.
Ou seja, não fez nada.
Templos continuam proliferando
pelo país, e isso bem mais que as escolas, seja em quantidade, velocidade ou
intensidade; religiões continuam manipulando recursos milionarios, menos que a
educação; líderes e bancadas religiosas continuam tendo, e de forma crescente,
mais espaço na política e na mídia do que cientistas, filósofos e educadores;
igrejas continuam sem pagar impostos (mas livros pagam); pregações religiosas
que beiram a extorsão e o estelionato continuam sem nenhum tipo de restrição.
Não estou, com esta exposição,
querendo adotar confrontação nenhuma contra qualquer religião, apesar das minhas
convicções. Repito que não estou aqui pra levantar bandeira nenhuma. O que
tento fazer é identificar e elucidar contradições na dicotomia esquerda/direita
envolvendo o petismo.
A Constituição brasileira, no artigo 19° I, veda
aos Estados, aos Municípios, à União e ao Distrito Federal o estabelecimento de
cultos religiosos ou igrejas, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma
da lei, a colaboração de interesse público.
É isso o que vemos?
A Constituição brasileira, também, em seu artigo 210° assevera que serão fixados conteúdos mínimos
para o ensino fundamental, de maneira a assegurar a formação básica comum e
respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais, salientando
no parágrafo 1º que o ensino religioso, de matéria facultativa, constituirá disciplina dos horários
normais das escolas públicas de ensino fundamental.
E
a Base Nacional Curricular que estão tentando aprovar inclui o ensino religioso
no Fundamental; e, sendo uma base nacional, estaria transformando o ensino
religioso em algo obrigatório, não facultativo.
Esquisita
essa esquerda que fortalece a influência do clero, né?
* * *
É um Partido dos ‘Trabalhadores’.
Mas o que esse partido fez de
realmente consistente em benefício de quem efetivamente trabalha?
Os aposentados, por exemplo;
que depois de anos e anos de trabalho, mais-valia e impostos, já geraram
riqueza mais que suficiente para que pudessem ter acesso a um padrão de velhice
que fosse digno. Em que o petismo mudou a situação dos aposentados?
E o salário-mínimo? Continua
inferior ao necessário. Melhorou, isso é fato. De acordo com o DIEESE (dados em
dezembro de 2015) o valor do salário mínimo é só 4,4 vezes inferior ao
necessário, e era 6,8 vezes inferior em 2002. Mas eu considero isso pouco,
muito pouco, pra três mandatos seguidos de um partido que se diz ‘de esquerda’
e que se propõe, pelo menos no nome, a defender os interesses dos
trabalhadores. E ainda há 2016 pela frente...
O sindicalismo foi liberto da
tutela do Estado? Não, não foi. Continua atrelado a ele, mais ou menos como era desde a
década de 1930, um fóssil do peleguismo varguista. Os sindicatos continuam
movimentando recursos bilionários oriundos do imposto sindical, o que os torna, senão controlados, pelo menos
dependentes do Estado, mais do que das classes às quais deveriam, de fato,
representar. O partido dos trabalhadores não tornou livres as associações de
trabalhadores (inércia, incompetência ou interesses populistas?)
O que esse partido representa,
de fato, para os trabalhadores?
Eu citaria Mikhail Bakunin (que
era de esquerda, mesmo, e radical, apesar de contrário ao marxismo), e que
apesar de ter vivido há mais de cem anos, já dizia: “Assim, sob qualquer ângulo que se esteja situado para
considerar esta questão, chega-se ao mesmo resultado execrável: o governo da
imensa maioria das massas populares se faz por uma minoria privilegiada. Esta
minoria, porém, dizem os marxistas, compor-se-á de operários. Sim, com certeza,
de antigos operários, mas que, tão logo se tornem governantes ou representantes
do povo, cessarão de ser operários e por-se-ão a observar o mundo proletário de
cima do Estado; não mais
representarão o povo, mas a si mesmos e suas pretensões de governá-lo. Quem
duvida disso não conhece a natureza humana.”
* * *
O petismo melhorou a vida dos
pobres, sim, pelo menos num nível imediato, o que me leva a discorrer, agora,
sobre o que eu considero como o aspecto mais delicado do petismo (e talvez o
mais polêmico também), que é o bolsa-família.
Pra mim, e isso tentando limitar
minha argumentação à dicotomia esquerda/direita e às contradições dessa
dicotomia envolvendo o lulopetismo, a meu ver isso é apenas assistencialismo populista,
que tanto cabe na ‘esquerda’ quanto caberia na ‘direita’, não envolve ideologia
nenhuma. Já me meti em várias discussões (acaloradas, por sinal) envolvendo tal
tema porque, óbvio, há os que defendem e os que criticam essa prática. E
justamente por isso vou tentar esmiuçar bastante o que escrevi sobre
‘assistencialismo populista’ (e peço, de novo, que quem quiser contestar que
conteste aqui, nas caixas de comentários do próprio blog, para que os leitores,
todos, possam acompanhar o andamento das discussões e se beneficiar
delas, qualquer que seja a forma; não vou mais ficar respondendo críticas via
Facebook ou coisa desse tipo).
Vou começar dizendo que o bolsa-família, de forma bastante simplificada,
é um programa no qual o governo dá dinheiro aos muito pobres; não vou
desenvolver uma argumentação etmológica ou conceitual sobre o que seria esse
‘dar dinheiro’, se é ceder, doar, fornecer, distribuir ou transferir renda, prover
recursos, nada disso; vou ser simplista: com o bolsa-família o governo dá
dinheiro a quem é pobre.
O critério único pra poder se cadastrar no programa é ser “extremamente
pobre”; não há outro; não faz diferença se é doente ou saudável, nem se é homem
ou mulher, se é casado ou não, faixa etária também não importa, não faz
diferença onde mora e nem com quem, nada; basta ser “extremamente pobre”; e de
acordo com os parâmetros do governo, esse “extremamente pobre” significa famílias
com renda per capita entre R$ 77,00 e R$ 154,00 mensais, ou inferior (valores de
2015). Depois que o indivíduo passa a ser beneficiário do programa ele deve,
sim, satisfazer a outras exigências (manter frequência escolar e vacinação em
dia, por exemplo); mas para entrar no programa, basta ser “extremamente pobre”.
* * *
De novo: não quero discutir
aqui se esse programa realmente ajuda alguém a sair da pobreza, ou até que ponto;
meu foco é definir se isso é ‘coisa da esquerda’ que quer ‘implantar o
comunismo’.
* * *
Usei a palavra
assistencialismo para definir o
bolsa-família. De acordo com o Dicionário Priberam de Língua Portuguesa (que é
o que tenho em mãos), assistencialismo é definido como sendo uma “doutrina ou prática política que defende a
assistência aos mais carenciados da sociedade (por vezes usado em sentido
depreciativo, referindo-se a medidas ou promessas demagógicas)”. Repare que
o uso da palavra ‘política’ remete, necessariamente, a uma ação governamental. Não
me considero errado, portanto, ao usar a palavra ‘assistencialismo’. Pode ser
um assistencialismo demagógico ou não, mas é assistencialismo, e qualquer
dicionário vai dizer mais ou menos a mesma coisa. Assistencialismo é um tipo de
assistência (é relevante ressaltar que é um tipo de assistência que é material;
não envolve cobertura médico-hospitalar ou odontológica, assistência psicológica
ou educacional, etc.).
Se é um tipo de assistência,
poderia manifestar-se de várias formas. Dar comida, por exemplo; ou remédios;
ou roupas, agasalhos; ou brinquedos; ou panelas; ou qualquer outra coisa que
pelo menos amenizasse a carência dos mais pobres; que é o que fazem inúmeras
entidades assistenciais que você, leitor, certamente conhece.
Mas o bolsa-família dá dinheiro, e só dinheiro; o governo pode dar
outras coisas, também, em outros programas, como o acesso à terra e ao emprego,
a assistência à saúde, etc. (coisas que não vem fazendo direito); mas o
bolsa-família, especificamente, só dá dinheiro.
Ora, dar dinheiro é o tipo de assistência que qualquer um pode fazer; eu,
você, seu vizinho, o meu... Qualquer um, que evidentemente não seja o
beneficiário dessa assistência, pode fazer isso, não precisa ser o governo, e
nem de esquerda. O governo, sendo governo, poderia fazer outra coisa qualquer,
que inclusive não fosse material, como isentar os muito pobres, por exemplo, de
pagar impostos; porque há inúmeros impostos indiretos no país; cada vez que
alguém compra alguma coisa (bens ou serviços) está pagando algum imposto; esse
tipo de ajuda só o governo poderia fazer, eu não posso, e nem você, cidadão
comum. Se os pobres pudessem comprar as coisas (remédios, comida, roupas)
pagando só o valor dos produtos, sem os impostos, acho que isso também
melhoraria bastante a vida deles.
Mas não. O governo dá dinheiro.
Dinheiro esse que, uma vez gasto, vai ser de novo abocanhado pelo mesmo governo
que o deu (pelo menos parte dele), através de impostos indiretos.
E é aí que, a meu ver, a questão se torna predominante e
indiscutivelmente política e demagógica, bem mais que humanitária, solidária ou
‘de esquerda’ (convenhamos, dar dinheiro aos pobres não é esquerdismo). Tudo é
montado para que seja ele, o
governo, a dar esse dinheiro. Dinheiro que é seu, meu, nosso. Dinheiro que sai
dos impostos, que, aliás, é de onde sai todo e qualquer gasto governamental.
Se eu quisesse, porventura, ‘adotar’ por conta própria uma família
carente, e do meu dinheiro (ganho com o meu trabalho) eu doasse a
essa família, mensalmente, 230 reais (que é o limite máximo do benefício), eu
não poderia, por exemplo, abater essa quantia do meu imposto de renda, nem mesmo
parcialmente. Simplesmente não poderia. Não poderia e não posso. A legislação
tributária não permite abater esse tipo de assistência. Aliás, não posso abater
nem mesmo a assistência que dou mensalmente ao meu próprio filho, o mais
velho, que ainda não consegue subsistir com recursos próprios; já passou da
‘idade limite’, não cabe mais abatimento no imposto de renda; não interessa se
há inflação ou desemprego no país, passou da ‘idade limite’ já era.
Ou seja, se eu, enquanto cidadão, quiser por conta própria transferir
renda (que é minha) para qualquer um que seja muito pobre (ou mesmo para o meu
próprio filho, como já falei), eu não conto com nenhum benefício ou estímulo pra
fazer isso, por parte do governo. Nenhum. Eu teria que arcar, ao mesmo tempo,
com a assistência aos pobres e
a assistência decidida e feita pelo governo, dando a ele o seu quinhão, dando a
ele parte da minha renda para que ele
possa distribuir essa renda; como se só o governo pudesse distribuir renda.
Se o objetivo é, de fato, ajudar os pobres e distribuir renda, por que
não oferecer essa possibilidade também ao cidadão?
Porque aí o governo não teria como se mostrar benevolente perante as
massas; benevolentes seriam os cidadãos; e a benevolência dos cidadãos não traz
apoio político ou votos, a menos que tal ‘benevolência’ seja intencionalmente
voltada para interesses políticos.
Isso não é populismo?
* * *
E ainda há um elemento curioso a
ser observado no país, a respeito da existência de um benefício chamado
‘salário-família’, que é uma espécie de ‘ajuda de custo’, uma gratificação
extra dada aos trabalhadores para o sustento de suas respectivas famílias, como o nome do benefício bem o sugere. Todo trabalhador deve
receber, além do salário, uma determinada quantia em dinheiro para o sustento
dos filhos, e tal coisa já existe há muito tempo no país, desde muito antes do
petismo. Possuem direito a esse benefício todos os trabalhadores, ainda que sejam
avulsos, incluindo também os aposentados. As regras são basicamente as mesmas
que regem o bolsa-família (manter escolaridade e vacinação, por exemplo), porém
é um benefício dado aos trabalhadores.
Agora faça as contas (os
valores são de 2015):
O valor do salário-família corresponde a R$37,18, por filho de até 14 anos incompletos
ou que seja inválido (e que esteja na escola, vacinado, etc.); isso para quem
ganhar até R$725,02 (repare, aqui, que o valor do salário-mínimo, que sendo o
mínimo deveria ser o mínimo, é de R$788,00; como é que um trabalhador pode
ganhar R$725,02, se esse valor está abaixo do mínimo?). Já para o trabalhador
que ganhar de R$725,03 até R$1.089,72, o valor do salário-família por filho de
até 14 anos de idade ou inválido de qualquer idade será de R$26,20.
Vamos imaginar um trabalhador
que receba os míseros R$725,02 (abaixo, portanto, do mínimo que deveria ser o
mínimo); e que esse trabalhador tenha esposa desempregada e cinco filhos
menores de 14 anos; tendo direito ao benefício, ele receberia R$37,18 por filho
(R$185,18) e mais os R$725,02 do salário, totalizando R$910,92; se essa renda
total for dividida pelo número de membros da família (sete), vai dar numa renda
per capita de R$ 130,13; o que se enquadra na faixa de renda exigida pelo
bolsa-família (entre R$77,00 e R$154,00 per capita); isso colocaria a família
desse trabalhador na categoria de ‘famílias extremamente pobres’; mesmo sendo
um trabalhador; mesmo trabalhando num país governado por um partido ‘dos
trabalhadores’.
Curioso, não?
* * *
Agora, se nada do que eu falei
até aqui serviu pra você pelo menos questionar o caráter ‘de esquerda’ do
petismo, dá uma olhada no video abaixo, que é curto, da Gloria Alvarez (nem
brasileira ela é, é da Guatemala) e veja o quanto isso se encaixa no que está
acontecendo no Brasil (e repare que ela também fala, ainda que brevemente,
sobre alterações na educação):
* * *
Ainda acha que o petismo
representa a esquerda?
* * *
Eu acho que não, e não acho
que eu esteja equivocado ao pensar assim. Muito pelo contrário, eu acho que
quem acredita que o petismo seja esquerda é que está profundamente equivocado,
seja para defendê-lo ou para criticá-lo. Não é esquerda. É só uma caricatura
das esquerdas, uma caricatura muito mal feita, aliás; tosca, pobre, medíocre. É
só populismo, mas um populismo barato, demagógico, que adota um discurso esquerdista
e popularesco pra poder manipular as massas e delas se beneficiar, seja lá com
o que for (votos, por exemplo), para atingir o poder e nele se perpetuar.
* * *
E isso é outra coisa que eu considero
como uma afronta ao bom-senso: escutar alguém descendo a lenha no petismo dizendo
que ‘isso é o comunismo’.
Não, isso não é ‘o comunismo’.
Isso não é ‘a esquerda’ e nem ‘coisa da esquerda’.
Passa bem longe disso.
Não sou socialista, repito, e
nem quero levantar bandeiras ideológicas, como já falei várias vezes ao longo
desta coletânea de textos sobre a paródia. Não estou escrevendo aqui pra
defender o socialismo, e nem pra criticá-lo; escrevo pra expor e justificar o meu
pensamento, escrevo em nome do bom-senso pra tentar elucidar a realidade,
jogar um pouco de luz sobre ela.
* * *
Vão aqui o meu
descontentamento e a minha crítica, portanto, aos dois lados da questão: aos
que defendem o petismo, achando que estão defendendo ‘as esquerdas’; e aos que
condenam o petismo, alegando que estão combatendo ‘as esquerdas’. O petismo não
é esquerda porra nenhuma. É, basicamente, só um acúmulo confuso de contradições
dentro de um populismo incompetente.
* * *
Engana-se quem associa o
lulopetismo às esquerdas. O Lula só é esquerda no discurso. E é provável até
que nem saiba ao certo o que é a esquerda. Ele tem ‘preguiça de ler’.
* * *
Conhece o Luís Carlos Prestes?
Aquele, da Coluna Prestes, da década de 1920; aquele, da Intentona de 1935, que
foi o primeiro levante comunista da história do Brasil; que foi um dos
fundadores do primeiro Partido Comunista brasileiro; que é considerado o ‘pai’
do comunismo no país; que teve que amargar vários e vários anos de cadeia por
ser comunista.
Conhece? Você, que usa o
esquerdismo pra defender ou pra criticar o petismo, conhece o Luís Carlos
Prestes?
Posso, então, considerá-lo
como sendo verdadeiramente ‘de
esquerda’?
Posso?
Pois bem, quem você
consideraria como um legítimo representante das esquerdas no Brasil?
O Lula ou o Prestes?
Ou ambos?
Dê uma olhada no vídeo abaixo,
que também é curto, expondo um trecho de uma entrevista dada pelo Prestes; veja
o que o ‘velho comunista’ tem a dizer sobre Lula e companhia (os primeiros três minutos bastam):
* * *
E
então? Convenceu-se de que o petismo não é esquerda porra nenhuma?
* * *
* * *
Ainda
que você desconsidere tudo o que eu falei até aqui, ainda que você jogue pelo
ralo toda a argumentação que eu já expus... Afinal de contas, é só um
professorzinho falando, um professorzinho de bosta, de uma cidade de bosta do
interior de um país de bosta, que não fez nenhuma faculdade ‘de peso’ e que não
tem nem mestrado nem doutorado... É admissível que você me conteste...
Tô
falando isso porque vai que você é daqueles que só aceita uma argumentação se
vier de uma fonte fidedigna, conceituada e reconhecida como tal; vai que você é
daqueles que são adeptos do ‘saber pela autoridade’... Pode jogar toda a minha
argumentação no lixo, se quiser, mas vai duvidar da interpretação de uma
personalidade do porte de Luís Carlos Prestes, que já é, historicamente,
reconhecido como um baluarte da esquerda brasileira? É óbvio que ele não deve
ter seguido as mesmas linhas de raciocínio que eu, mas a conclusão é a mesma:
não há esquerda no petismo.
E
aí? Convenceu-se de que o petismo não é esquerda porra nenhuma?
* * *
Se
você se convenceu, então pare de criticar o petismo dizendo que o que
ele faz ou fez é ‘coisa de comunista’; pare de defender o PT dizendo que
é ‘partidário da esquerda’.
Não
é esquerda porra nenhuma. Só na roupagem.
* * *
Agora,
se você não se convenceu, sinceramente, não sei mais o que dizer, e nem
mesmo o que fazer. Aliás, talvez nem haja mais o que possa ser dito ou feito,
nem por mim nem por ninguém. Se alguém ainda achar que o petismo representa a
esquerda, seja pra criticar ou apoiar, e tanto eu quanto o Prestes estivermos
errados nas conclusões, então não sei mais o que é a esquerda. Ou então não há
mais esquerda no Brasil, não como eu a concebia. Perdeu-se. Perdeu-se junto com
o país, talvez. Talvez tenha morrido com o próprio Prestes. A demagogia
derrotou a consistência ideológica. O populismo venceu. A mediocridade venceu.
E o lulopetismo não é o resultado da vontade de um povo; é o reflexo da
mediocridade de um país.
* * *
Só
pra encerrar, definitivamente.
O
‘zeppelin’, que faz parte do título da paródia, não é só uma referência à música
original, “Geni e o Zeppelin”; é dotado também de um certo simbolismo. Ele
aparece só no título, e em nenhuma outra parte da letra; não é nem citado, em
nenhuma das estrofes.
O
que seria esse ‘zeppelin’, afinal, na paródia?
Uma
alegoria do Estado.
Um
Estado que, no Brasil, a meu ver, é um zeppelin. Flutua, inatingível, acima dos
cidadãos, da sociedade... Não é parte dela, não se mescla a ela... De vez em
quando baixa ao nível do solo, para angariar recursos, livrar-se de alguém
indesejável ou recrutar alguém que esteja em terra. Mas não representa a
sociedade, não faz parte dela, não é um prolongamento ou uma extensão da mesma.
É algo que paira acima das nossas cabeças, flutuante, na maior parte do tempo
alheio aos problemas que ocorrem no solo; às vezes é benevolente, doador; e às
vezes é ameaçador, agressivo, autoritário... Como o zeppelin da música
original... Mas sempre soberano em seu voo, sempre vivendo em função de si
próprio, sempre usurpador... Sempre pairando acima de todos, descendo das ‘nuvens
flutuantes’ apenas para se reabastecer com aquilo que não produz...
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