6 de janeiro de 2016

A Lula, o Zeppelin e o Reino da Mediocridade

A Lula, o Zeppelin e o Reino da Mediocridade
Encerrando com o assunto da paródia. Cansei de bater na mesma tecla tentando justificar o que, a meu ver, é imensamente óbvio. Conversei muito, debati muito, pesquisei muito; mas, sinceramente, não encontro nada que não corrobore o que já sugeri.
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Se este texto parecer truncado e, de certa forma, um pouco difuso, é porque pretendo abarcar, se não todas, pelo menos a maioria das críticas que recebi (inclusive quanto à forma, já que algumas dessas críticas foram agressivas demais, a meu ver); e também porque já o emendei e remendei várias vezes, buscando dar sustentação ao que sugeri na paródia, incluindo acontecimentos políticos recentes, que não param de surgir; tentando, inclusive, por à prova o meu próprio raciocínio, pra ver se estou ou não enganado; mas acompanhar o cotidiano da política brasileira tem sido, ao contrário, um reforço ao que acredito que esteja acontecendo: não se passam dez dias sem que apareça uma notícia nova envolvendo corrupção ou incompetência no governo. E eu simplesmente desisti de ficar remendando este texto, semana após semana, acrescentando fatos recentes; percebi que acabaria ficando muito longo (como de fato ficou) e também que eu poderia passar o resto da vida respaldando o que, como já disse, parece óbvio.
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Enchi desse tema, tenho mais o que fazer, tenho outros projetos na cabeça.
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Mas quero deixar registrado que recebi mais elogios que críticas e, ao mesmo tempo, expressar meu desejo de que esta coletânea de textos sobre a paródia e sobre a política possa fazer jus ao título deste blog: livre-pensar.
Quem quiser que conteste; há caixas de diálogo no blog que existem justamente pra isso, e que permitem, inclusive, comentários anônimos
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Pois bem, considere-se paródia como sendo uma “imitação burlesca de uma obra séria”, o que, creio eu, seja uma definição razoavelmente consensual do que fiz: uma brincadeira. Uns a levaram muito a sério, encarando o que fiz como ofensa ou reflexo de estupidez, doendo-se por causa disso muito mais do que eu poderia imaginar e, o que considero ainda pior, desenvolvendo uma linha de raciocínio que não é a minha. Nunca quis ofender, quis apenas ‘desenferrujar’ minha criatividade expressando o que penso, como já falei antes, e se isso viesse a despertar questionamento, tanto melhor, estaria fazendo o que sempre gostei de fazer na vida; mas não era esse o meu objetivo principal, o que fiz foi uma brincadeira, e pra mim isso parecia (ou pelo menos deveria parecer) mais do que óbvio... Entretanto, alguns levaram a coisa tão a sério que parecia que eu estava deflagrando uma guerra ideológica, como se fosse militância política, coisa que não faço e não gosto de fazer. É evidente que a paródia expressa, com clareza e intencionalmente, meu posicionamento político sobre o que anda acontecendo no país, mas não expressa, de forma nenhuma, meu posicionamento ideológico. E é isso o que mais me incomodou nas críticas que recebi: levaram a coisa a sério, mas por um caminho que eu, sinceramente, não tracei, e rumo a um destino que sequer pensei em estabelecer: a dicotomia esquerda/direita (e já adianto que isso que está aí passa longe do que eu considero como esquerda, mais abaixo eu aprofundo tal tema).
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Mas já que um caminho tão sério foi aberto a partir de algo que fiz, dou-me também o direito de percorrê-lo através destes textos.
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Fiz, sim, uma brincadeira... Mas não foi por brincadeira, já expliquei o suficiente sobre isso, não foi um simples devaneio, não foi ‘porralouquice’. Tenho meus motivos pra pensar o que penso a respeito de Lula e companhia, motivos que não são poucos e nem pouco fundamentados; acompanhei desde o início toda a sua militância e sua carreira, sindical e política, como tantos outros mais que pertencem à minha geração, como eleitor e como cidadão; e se hoje sou professor de História isso apenas me dá algum respaldo a mais pra pensar o que penso; mas eu ainda nem tinha entrado na faculdade quando o Lula começou sua militância, nos anos 70; e, confesso, fui cativado por seu discurso e por sua postura. Se hoje me coloco na pele de professor para escrever este texto é só mesmo pra expor uma justificativa para um pensamento já exposto; ou seja, o professor, aqui, é um mero porta-voz; escrevo apenas para dar uma certa satisfação a meus alunos, já falei sobre isso, não misturo tablado de sala de aula com palanque eleitoral, não transformo aula em militância política e creio que a maioria dos meus alunos pode atestar isso. Penso o que penso na condição de cidadão, na condição de homem que leu, que lê e que gosta de ler.
Confiava no PT, e muito. Votei no Lula, sem exceção, todas as vezes em que ele se candidatou. Não que eu confiasse especificamente nele, na sua capacidade de governar; nunca achei que ele possuísse algo além de perspicácia e presença de espírito, carisma e oratória pra chegar onde chegou. Mas confiava no partido como um todo, nas pessoas que o compunham, achava que tinha muita gente boa lá dentro, gente boa e capacitada pra governar; imaginava que essas pessoas (inclusive o Lula), com o discurso que faziam, pelo menos colocariam o país num rumo que o melhorasse, ainda que a longo prazo; nunca fui ingênuo o suficiente pra sequer ter esperança de que resolveriam todos os problemas do país, não creio em messias; eu imaginava que, pelo menos, eles livrariam o país da cacicagem política e das práticas coronelísticas que moviam (moviam?) o funcionamento do Estado, que afastariam do poder todos os fósseis da ditadura militar, que impediriam, pelo menos impediriam, o crescimento de certos vícios na política brasileira, e pra mim isso já seria um avanço e tanto; imaginava que, uma vez que o Lula estivesse na Presidência da República, o partido inteiro estaria governando, estaria querendo se esmerar para fazer disso uma ‘vitrine’ para consolidar não o poder, mas uma outra forma de exercer o poder, mais digna e mais justa; que até poderiam consolidar a si próprios no poder, mas consolidar-se perante o povo e não perante os mumificados caciques de outrora; imaginava que, ao Lula, bastaria boa vontade, sensatez e humildade para acatar as decisões dos que eram mais qualificados que ele dentro do partido; e repito: a meu ver tinha muita gente capacitada lá dentro.
Votei no PT. Votei no Lula. Até ele chegar ao poder. Daí pra frente nunca mais. Nem pra reeleição. Não vi nada do que esperava ver. Muito pelo contrário, vi um reforço a tudo o que eu não esperava nunca mais ver na política. Que não resolvesse nada, mas que pelo menos freasse o continuísmo viciado.
Não foi o que vi acontecer. Sinto-me um corno da política.

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Num dos compartilhamentos da paródia, alguém (provavelmente muito decepcionado comigo) postou-me uma entrevista do Lula (outubro/2014, Carta Capital), no Google+, na qual ele afirma, já no início, algo como ‘eu quero é voto’; desisti de ver o resto do vídeo e postei, como desabafo: “Nem dez segundos de entrevista e o cara já fala que só quer voto... Desisto.”
Aí retrucaram: ‘De tudo o que ele falou você só prestou atenção nisso?”
Vi que não eram ‘dez segundos’, e sim quarenta; mas vi também que ele afirma que quer fortalecer a classe média (mas a esfola com impostos abusivos e ainda é conivente com a ‘pseudofilósofa’ Marilena Chauí, que abominou publicamente essa mesma classe média); fala em estimular a educação (mas já afirmou que não gosta de ler, que tem preguiça, e também já se vangloriou de não falar outro idioma e de ter obtido um diploma sem ter frequentado uma universidade); fala que o ‘outro partido’ encara as pessoas só como números e não como pessoas (mas já admitiu que apelou pra forjar números em várias palestras); que a economia antes dele chegar ao governo estava um caos e que agora estava “infinitamente melhor” (e a entrevista tem pouco mais de um ano, atentem para isso); e isso tudo só nos primeiros sete minutos de entrevista.
Desisti de novo. E postei exatamente a resposta que segue abaixo (o texto é só recortado e colado), referente à pergunta “do tudo que ele falou você só prestou atenção nisso?”. Respondi:
“É. Só nisso. Porque o ‘tudo o que ele falou', pra mim, não inclui só o que está nessa entrevista, está incluído também tudo o que ele falou ao longo de anos e anos; acompanhei muito bem 'tudo o que ele disse', desde que era um sindicalista até ele chegar ao poder; votei nele desde 1989, até ele mudar radicalmente de discurso e de postura (não sei se mudou também de caráter, ou se na realidade ele sempre foi assim e eu é que não via; e a segunda opção me parece mais consistente, hoje em dia); não voto mais; concluí que o que ele quer e sempre quis é voto, custe o que custar; todo o resto se encaixa somente nisso, é um 'vale-tudo'; demagogia populista; um cara que se associou a Maluf? Sarney? Collor? Não era nesse cara em quem eu votava, nem era esse o partido no qual eu confiava.
Fala que é de esquerda... Será que sabe o que é isso? Será que não sabia que Collor, Sarney e Maluf são de extrema direita? Mas isso não precisa de explicação, né? Ele só quer votos.
Beija a mão dos coronéis que controlam o cabresto nos currais eleitorais”.
A mensagem que recebi logo depois (não acho mais a postagem pra recortar e colar) descia o malho em várias outras personagens políticas (Marina, Aécio, Enéas...), como se o Lula, apesar de tudo, fosse a melhor das opções (e reparem que isso, a meu ver, é um dos traços característicos do lulopetismo: denegrir para se justificar).
Desisti até da conversa.
Mas ainda recebi uma última mensagem: “Não dá pra conversar com você!”
                                               ???

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Reafirmo, ainda que com ressalvas, tudo o que respondi.
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Vi, noutra entrevista, dada dentro de um avião, o Lula justificando essa ‘busca por votos’ como uma mudança estratégica. Em linhas gerais, ele reafirma sua postura ‘socialista’ ao mesmo tempo em que admite que a estratégia das esquerdas de adotar uma atitude de enfrentamento ao sistema, que ele próprio tanto usara, não daria resultados práticos, não permitiria nunca que as esquerdas chegassem ao poder, tamanha a resistência das elites; que seria melhor ‘jogar o jogo’ para chegar ao poder porque, uma vez lá, se poderia de fato fazer mais pelo povo; daí ele ter afirmado “eu quero é voto! ”
Lembrei Nietzsche: “Se penetras por muito tempo na escuridão, a escuridão também penetra em ti. ”
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Fui infeliz ao afirmar que ele talvez tenha mudado de caráter. Talvez não, talvez tenha sido sempre bem-intencionado e talvez tenha uma boa causa.
Não sei. E tampouco tenho como saber de fato, no momento em que escrevo estas linhas, o que ele realmente quer ou deixa de querer; fui leviano ao expor esse pensamento; só quem está efetivamente dentro do poder, próximo a ele, tem condição de saber realmente alguma coisa sobre seu caráter e suas intenções; portanto, não deveria ter afirmado tal coisa.
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Mas imagine que você encontra um navio abarrotado de piratas, principalmente na ponte de comando (e veja bem que estão na ponte de comando, não estão infiltrados no terceiro escalão da hierarquia do navio, não são clandestinos escondidos no porão, não estão camuflados no compartimento de carga; estão na ponte, são oficiais); e aí chega o capitão desse mesmo navio e diz que está a serviço da Guarda Costeira para defender o país.
Você acreditaria?
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Minhas críticas ao ‘lulopetismo’, apesar de estarem necessariamente envolvidas em aspectos políticos, são mais de caráter humanista.
Irrita-me profundamente cada vez que vejo o cara (ele ou a ‘cria’), em alguma entrevista ou pronunciamento, desprezando ou menosprezando a leitura e o estudo, apesar de dizer que os estimula; são comentários toscos típicos de alguém que, além de nunca ter tido um contato mais profundo com uma formação universitária, ainda a considera como algo superficial; como se a ‘escola da vida’ bastasse, como se a dedicação aos estudos fosse desnecessária. E esse tipo de postura é, na minha opinião, o problema que mais dificulta o progresso do país (e não estou falando de progresso econômico, não; falo do progresso humano, que é de onde pode sair qualquer outro tipo de progresso). É cuspir no imenso patrimônio cultural, científico e filosófico da humanidade, construído por séculos e séculos com esforço, dedicação, sacrifício e até mesmo enfrentamento (veja Copérnico, Galileu, Giordano Bruno, Abelardo, Sócrates e vai por aí afora...).
Acho, sim, que, em vez de afirmar que tem preguiça de ler (sei lá pra que afirmar isso, deve ser o ‘eu quero é voto’), ele poderia simplesmente ficar calado, ou então dizer algo como “não tive chance ou oportunidade de dedicar-me ao estudo e à leitura, mas é isso o que deve ser estimulado, perseguido, buscado...”
Nunca o ouvi sequer sugerir tal coisa; muito pelo contrário, gabou-se várias vezes de ter chegado onde chegou sem ter estudado nem lido. E isso num país onde se lê tão pouco, onde a literatura deveria ser estimulada...! Num país onde o estudo ainda é extremamente desvalorizado, a menos que sirva como meio de enriquecimento material...! Num mundo onde a cada dia se torna mais evidente que sem educação e leitura país nenhum tem condição de prosperar ou melhorar...!
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Diz que estimula a educação, mas se vangloria, em público, de ter chegado onde chegou sem nunca ter estudado. Será que não imagina que ao falar tais coisas está, ao contrário, desestimulando a educação? Será que não imagina que, aos que não possuem estudo e/ou leitura, esse tipo de discurso soa como um estímulo à perpetuação da ignorância? Será que não pensa que é como se estivesse dizendo ‘olha, eu cheguei onde cheguei sem estudo, então você também não precisa disso’?
Não dá pra entender ou pra engolir tal contradição. E eu, além de não entender, não concordo com esse tipo de postura. E me espanto ao ver alguém que de fato tenha se dedicado aos estudos defender esse tipo de gente.
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Ralei pra cacete pra poder ter um diploma universitário. Qualquer um que conheça meu passado pode confirmar isso. Li muito, estudei muito, esforcei-me muito. Ao contrário do Lula, eu cheguei onde cheguei com muito estudo e com muita leitura.
E me orgulho disso.
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Não que eu considere necessário uma pessoa ‘ter estudo’ pra poder se eleger. Democracia é isso aí, mesmo. Mas, como já falei antes, gente assim deveria ter bom-senso, no mínimo humildade, pra reconhecer que leitura e estudo são importantes; pra reconhecer que, não sabendo resolver todos os problemas, deve repassá-los a quem saiba.
Também não vejo nada disso. Ele passou o poder para a Dilma (e foi ele quem a elegeu, duvido que alguém possa contestar isso) e veja no que deu. Não acho que seja necessário ‘ter estudo’ pra saber que o país vai mal.
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Mas acho necessário ter estudo pra saber por que o país vai mal.
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O Lula conhece os problemas da maior parte da população do país, não duvido disso nem um pouco. Vivenciou na própria pele, inclusive, a maioria desses problemas, e isso é inegável. Mas ainda que não os tivesse vivenciado, a forma através da qual ele desenvolveu seu crescimento político o faria conhecer profundamente esses problemas, e de um jeito que a maioria dos políticos com certeza não conhecem. Ele passou mais de dez anos (desde a eleição de 1989) desenvolvendo um tipo de campanha eleitoral para a Presidência que envolvia viagens constantes pelo Brasil, visitando praticamente cada um dos cafundós do país; conversou muito, e durante muito tempo, com gente do país inteiro, pessoas comuns, gente simples... Ele conhece os problemas do povo, isso eu acho que é inegável, nunca duvidei disso, e acho que só um tolo duvidaria de tal coisa.
Ele conhece, e bem, boa parte dos problemas da maioria das pessoas do país. Não acho que se possa negar isso.
Mas sejamos pragmáticos: conhecer um problema, ainda que com profundidade, é condição suficiente para que se saiba como solucioná-lo?
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Se você está sentindo uma dor estranha no lado esquerdo do peito, a quem você recorre? Ao vizinho da frente, que está sentindo exatamente a mesma dor e que, portanto, a conhece muito bem? Ou a alguém que ‘tenha estudo’ pra sanar esse tipo de dor (no caso, um médico)?
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Conhecer um problema é condição suficiente para que se saiba como solucioná-lo?
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Mas partindo para uma outra linha de raciocínio, ainda focada na falta de estudo ou leitura: de uma pessoa que afirma ‘ter preguiça de ler’, espera-se que saiba o que sobre qualquer coisa? Que tipo de saber se pode esperar de alguém que afirma não ter lido, não ler e não gostar de ler?
Obviamente, o ‘saber’ obtido em conversas, o ‘saber’ que saiu da boca dos outros e que, também obviamente, foi assimilado, processado e reconstruído pela mente do ouvinte; porém, o ouvinte é alguém que não lê e que tem “preguiça de ler”; o que me leva a pensar em um saber construído com base em achismos; e isso, a meu ver, acarreta dois problemas sérios: primeiro, que o nível de subjetividade de um achismo dificilmente vai dar a algum indivíduo, qualquer que seja ele, o nível de competência necessária para que ele faça qualquer coisa que preste; segundo, se o saber dele foi construído com base nos achismos dos outros, quem são esses outros? Que tipo de gente contribuiu para a formação desse ‘saber’? (e aí você pensa em Dirceu, Genoíno, Delúbio, Palocci, Dilma, e vai por aí afora... Conclui-se o quê?)
Já me auto-contestei a respeito disso, de o ‘saber’ dele ter sido construído com base nos achismos dos outros, mas acho difícil imaginar alguma outra alternativa para alguém que não gosta de ler; e já antecipo o que penso para qualquer um que possa discordar disso.
Considerando que ele desenvolveu sua militância tanto sindical quanto política nas décadas de 1970 e 1980,  me parece razoável supor que ele tenha também concluído a maior parte de sua formação intelectual, ideológica e política ao longo desse mesmo período. E nessa época, quais seriam as alternativas, então, para alguém que não lê obter qualquer tipo de saber?
Lembrando que nesse período o país estava debaixo de uma ditadura militar, que os sistemas de comunicação eram muito precários, que existia censura (que só foi totalmente extinta em 1988), e ainda que qualquer sistema de comunicação está mais comprometido com a vontade dos anunciantes do que com o saber, que alternativas existiam para alguém que não lê?
O Rádio? Mas a programação das emissoras de rádio não era (e ainda não é) nenhuma fonte de sabedoria, ainda que nao fosse a censura.
A televisão? Vale aqui o que eu já expus sobre o rádio; e acrescento que nessa época só existiam canais abertos no país, e em pequena quantidade; não havia TV por assinatura, TV paga (que só entrou no Brasil a partir de 1991, e ainda assim de forma precária, só deslanchando mesmo a partir do ano 2000); agora, dá pra imaginar que ele completou sua formação intelectual com a Globo, a Record ou o SBT? Pra mim não dá. A única emissora de TV com programação realmente focada no saber era a TV Cultura, mas era controlada pelo governo, estava sob censura e duvido muito que ele a assistisse regularmente.
A internet? Não existia nos anos 70, só chegou no final dos anos 80, e em 1997 o número de usuários no país nem chegava a dois milhões; e era lenta, cara, pouco diversificada.
O que sobra, então, pra quem não gostasse de ler?
Achismos. Coisas que ouviu da boca dos outros. E isso, a meu ver, não torna ninguém competente para governar nem um bairro, quanto mais um país.
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Repito que minha crítica é mais humanista que política. Pra mim, que me dediquei aos estudos, e que por isso posso, hoje, avaliar o bem imenso que isso me fez e que pode fazer a qualquer um, chega a ser ofensivo ouvir alguém se vangloriar de não ‘ter estudo’, mais ainda se esse alguém ou gente dessa estirpe estiver no comando do país (repare que a ‘cria’ não consegue passar um único mês sem soltar algum pronunciamento absurdamente desarticulado).
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E depois ainda discutem teorias mirabolantes que possam explicar por que é que a educação no Brasil vai tão mal (aliás, tudo no país vai muito mal: economia, saúde, segurança, etc.); por que é que aqui há mais igrejas que escolas; por que é que institutos de educação pagam impostos e institutos religiosos não; por que é que um líder religioso possui mais privilégios e influência que um educador. A resposta é simples: quem traça os rumos da educação no país não sabe o que é isso; ou então sabe, e quer propositalmente prejudicá-la.
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Veja, por exemplo, a proposta do governo para reformular a Base Nacional Curricular do país (o segundo link vai para uma entrevista com Dave Peck, presidente da ONG britânica Curriculum Foundation, que é ‘parceira’ do MEC na elaboração dessa mesma base curricular):
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Repito que é impossível passar um único mês sem receber alguma notícia desagradável por parte desse governo, envolvendo corrupção ou incompetência.
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Pra quem não sabe, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é o ‘documento’ que vai definir as bases da educação no Brasil inteiro: objetivos de aprendizagem, orientação pedagógica e os conteúdos do currículo escolar, para a educação infantil, fundamental e médio; enfim, vai definir aquilo que não pode faltar na educação brasileira.
No que se refere à História, que é o que mais me preocupa, o Ministério da educação (com minúscula, mesmo) pretende que o ensino médio (colegial) inteiro seja focado no estudo da África, América indígena e América Latina, vendo apenas um pouco de Europa, América do Norte e Ásia, e isso só no 3º colegial; ou seja, ficam de fora toda a Antiguidade (Pré-História, Egito, Mesopotâmia, Fenícia, Pérsia... Inclusive Grécia e Roma), a Idade Média e boa parte da Idade Moderna (exceto a expansão marítima); o que se veria de Europa seria basicamente o século XX, e ainda assim pra relacionar com o colonialismo; ficam de fora também as Revoluções Francesa e Industrial, as Cruzadas e o Renascimento Comercial e Urbano, o islamismo, a Renascença... Astecas também ficam de fora, apesar de incluírem incas e maias (por quê? Só porque estavam na América do Norte?)... Guerra Fria também sai (mas falam da migração japonesa para o Paraguai)...
 Enfim, quase todos os contextos que permitiram o desenvolvimento do patrimônio científico-cultural construído pela civilização ocidental vai para o ralo (o surgimento do monoteísmo com os hebreus, a expansão do cristianismo, a democracia ateniense, o teatro grego, o direito romano, e mais Copérnico, Galileu, Michelângelo, Montesquieu, etc.).
E mesmo focando o Brasil, ‘esqueceram’ de incluir Tiradentes e a Inconfidência Mineira, a Conjuração Baiana, o ciclo do café e a modernização da economia rumo ao processo de industrialização...
Resumindo, estão estuprando a História; principalmente porque essa Base despreza o elemento tempo, o encadeamento de eventos que é, a meu ver, a matéria-prima da História. Alguém precisava avisar os caras que a elaboraram quais as diferenças entre História, Etnologia e Antropologia, porque acho que eles não sabem.
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A alegação dos que elaboraram a Base é de que a educação no Brasil tem que abandonar o eurocentrismo que durante tanto tempo marcou o ensino de História no país;  pra mim isso é simplesmente xenofobia anti-imperialista caduca, mas vamos lá: não vivemos num país que é pelo menos 80% fruto de antecedentes europeus? Adotamos sistemas políticos que são europeus (república, democracia, federalismo, tripartição de poderes); falamos um idioma que é europeu (o português); temos uma religião predominante que se estruturou na Europa (o cristianismo); vivemos debaixo de um modo de produção europeu (capitalismo); mesmo as propostas contrárias ao capitalismo nasceram na Europa (socialismo/anarquismo); o teatro é europeu (grego), tanto quanto a filosofia e quase todas as ciências; o Direito é europeu (Roma)...
E vai por aí afora...
Que se incluam os temas africanos, ameríndios e afro-americanos (coisas que, aliás, já existem), mas por que repudiar de maneira tão radical o resto todo, que forma, repito, a maior parte da nossa formação cultural? Dá a impressão de que querem fazer Pindorama reviver... Mas Pindorama não existe mais, o que existe é o Brasil, que é uma mistura de Pindorama com Portugal, mistura essa onde predominaram aspectos europeus!
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A mim parece só xenofobia. Anti-imperialismo distorcido, doente e caduco. Mentalidade de colônia, colônia que quer negar ter sido colônia. É a bosta renegando o cu de onde ela veio.
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Mas tem mais:
·         Pretendem incluir ensino religioso em todas as séries do ensino fundamental (9 anos), e isso partindo de um Estado que se diz laico a respeito de uma educação que deveria ser laica;
·         Pretendem incluir ‘linguagem digital’ (?) no ensino de Língua Portuguesa (escrita de internet);
·         A Geografia prioriza a geografia local;
·         A Filosofia e a Sociologia são fundamentadas no cotidiano, ou seja, exclui a História da Filosofia e da Sociologia, bem como deixa de fora algumas correntes de pensamento como a Metafísica e a Hermenêutica.
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Fora isso tudo que eu já falei até aqui, que envolve basicamente questões ‘pedagógicas’, ainda há outras coisas, que considero obscuras, em relação a essa Base Curricular:
· O MEC, quando divulgou a proposta em meados de 2015, dizia que a Base Curricular havia sido elaborada por “116 especialistas em educação”, mas não mencionava quem seriam esses especialistas; só depois de muita pressão por parte de grupos organizados é que o MEC finalmente decidiu identificar esses especialistas; hoje em dia estão todos devidamente relacionados no site do Ministério; mas a pergunta fica: por que não divulgaram logo no início quem eram essas pessoas?
· A elaboração da Base contou com o apoio de uma ONG estrangeira, a britânica Curriculum Foundation, presidida por Dave Peck; andei dando uma fuçada no site dela e vi que atua em vários outros países, como Qatar, Chile, Sudão, Zâmbia, Rwanda, e agora também no Brasil; na Inglaterra, mesmo, essa ONG só atua junto a empresas privadas de educação, que inclusive produzem material ‘didático’ baseados numa linha ‘globalizada’ de educação; e a proposta da ONG é bem clara no que se refere ao objetivo geral de promover uma “educação para o século XXI”, preparando os estudantes para um mundo globalizado; e as perguntas ficam: até onde foi a influência dessa ONG na montagem da Base? Por que o governo foi apelar para uma instituição estrangeira? Por que a maioria dos ‘parceiros’ dessa ONG não são os países ditos desenvolvidos? Qual seria o interesse em criar uma educação ‘globalizada’? Seria algum interesse mercadológico? Não é no mínimo curioso que um governo que se autoproclama “de esquerda” e “anti-imperialista” vá pedir auxílio a uma instituição estrangeira pra definir os rumos da educação do seu próprio país?
· O MEC afirma que essa versão da Base é só uma versão preliminar, tanto que abriu consultas públicas, qualquer um pode participar, dando sugestões ou críticas, pelo portal da BNCC no site do MEC; acontece que, inicialmente, o prazo para consultas públicas estabelecido pelo Ministério se esgotaria no dia 5 de dezembro de 2015; só depois de muita pressão o MEC resolveu adiar a data final; ora, que professor, que esteja na ativa, teria tempo pra analisar essa Base nessa época do ano, em pleno fechamento do ano letivo? Em meio a elaboração e correção de provas e exames, aulas de reforço, participação em conselhos...? Que professor? E a pergunta fica: será que queriam fazer isso depressa, à revelia dos professores, disfarçando o caráter autoritário das decisões? Será que planejaram isso? Como se pensassem: “a gente abre consulta pública até 5 de dezembro; como é fim de ano, ninguém vai ter tempo nem cabeça pra avaliar isso direito, então a gente aprova o plano na íntegra e depois, se vierem críticas, a gente diz que são críticas sem fundamento, já que demos prazo ‘suficiente’ para a sociedade se manifestar...”. Tal pensamento parece assim tão improvável?

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Agora, me responda você, leitor, se não estiver exercendo nenhum cargo político e se não for apadrinhado de ninguém: o pessoal que elaborou essa Base pensou nessas coisas todas?
Repito o que já escrevi linhas acima. Quando se pergunta por que é que a educação no Brasil vai tão mal, a resposta, pra mim, é simples: : quem traça os rumos da educação no país não sabe o que é isso; ou então sabe, e quer propositalmente prejudicá-la.
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Ó, já escrevi demais, o texto ficou bem mais longo do que eu imaginava, sinto-me na obrigação de parar por aqui, inclusive pra não cansar demais os leitores; e, de novo, deixar o resto para mais uma outra postagem, ainda tenho muito o que falar.
Fui misturar o “Sobre a Lula e o Zeppelin” com “O Reino da Mediocridade” e deu nisso. O assunto parece, de fato, inesgotável. Vou publicar isto aqui do jeito que sair, sem revisão nem nada, se alguém identificar algum erro, por favor, me avise. Como já falei antes, tô cansando disto tudo e tenho mais o que fazer, tenho outros projetos.
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Só mais uma coisa, pra encerrar.
Não sei se o que eu escrevi acima sobre a BNCC tem alguma conotação ideológica, alguma relação com o lulopetismo. A mim parece que sim, mas ainda é cedo pra afirmar isso. Eu precisaria expor minha análise ideológica do petismo, que é o que vou fazer na próxima postagem.
                       

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2 comentários:

  1. Professor, fui seu aluno em Mirandópolis, entre 1998 e 2000, e gostaria de deixar registrado meu apreço pelo seu trabalho.
    Ler os seus comentários (e os comentários sobre os comentários) sobre a situação do país tem sido, para mim, muito elucidador. Obrigado!

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    1. Eu é que agradeço; obrigado por participar. Posso estar errado em algumas coisas, mas não consigo ver a situação de outra forma, até agora não ouvi nenhum argumento consistente que refute...

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