UM TEXTO DE PETRÔNIO
O
texto a seguir não é de minha autoria, como o título desta publicação sugere. É
um trecho da obra “Satiricon”, escrita no século I d.C. por Petronius, que é
considerado um dos primeiros romances realistas da literatura ocidental. Resolvi
transcrevê-lo porque, além de parecer coerente com a realidade de hoje,
encaixa-se bem no propósito deste blog, que é o livre-pensar.
Trata-se
de um diálogo entre Encólpio, personagem que narra a estória, e seu mais novo
companheiro Eumolpo, que no enredo é um poeta rejeitado. Segue o trecho:
“...
Perguntei a Eumolpo a que ele atribuía a decadência das belas-artes em nosso
século.
“—
O amor à riqueza — disse-me ele — produziu esta mudança. Na época de nossos
ancestrais, quando só ao mérito se prestavam honrarias, floresceram as belas-artes,
e os homens disputavam entre si a glória de transmitir aos séculos seguintes
todas as descobertas úteis. Então, viu-se Demócrito, o Hércules da ciência,
destilar o suco de todas as plantas conhecidas, e passar a vida inteira a fazer
experiências para conhecer a fundo as diversas propriedades dos minerais e dos
vegetais. Eudóxio envelheceu no cume de uma montanha, para observar mais de
perto os movimentos do céu e dos astros; e Crisipo tomou três vezes heléboro,
para purificar o espírito e torna-lo mais apto a novas descobertas. Para retornar
às artes plásticas, lembremos que Lisipo morreu de fome, definhando para
aperfeiçoar os contornos de uma única estátua; e Míron, que fez, por assim
dizer, passar para o bronze a alma humana e o instinto dos animais, não
encontrou ninguém que quisesse aceitar sua herança. Enquanto isso, nós, que
chafurdamos na devassidão e na bebedeira, não ousamos sequer nos elevar ao
conhecimento das artes inventadas antes de nós. Soberbos detratores da
Antiguidade, professamos apenas a ciência do vício, da qual nos fornecem simultaneamente
o exemplo e a lição. Que aconteceu com a dialética, a astronomia, a moral, essa
rota segura de sabedoria? Quem, hoje, vemos entrar num templo para atingir a
perfeição da eloquência, ou para descobrir as fontes obscuras da filosofia? Não
se pede mais aos deuses nem mesmo a saúde. Segue essa turba que sobe ao Capitólio:
antes mesmo de chegar ao limiar do templo, um promete uma oferenda se tiver a
felicidade de enterrar um parente rico; o outro, se descobrir um tesouro; um
terceiro, se conseguir, antes da morte, juntar trinta milhões de sestércios. Mas
que digo eu? Não tens visto frequentemente o próprio Senado, árbitro da honra e
da justiça, votar uma verba de mil marcos de ouro para Júpiter? Não parece
encorajar a cupidez, tratando assim, a preço de dinheiro, de tornar o céu
favorável? Não te espantes, pois, com a decadência das artes, pois tanto os
deuses como os homens acham mais encanto num lingote de ouro do que em todas as
obras-primas de Apeles, de Fídias, e de todos os outros ‘pobres tolos gregos’,
como eles os chamam...”
Petrônio,
o autor do texto acima, morreu no ano 66 d.C.
Alguma
semelhança com o mundo atual?
A impressão que o texto me deu foi de que o desenvolvimento intelectual da humanidade sempre se deu "nas coxas" em relação ao todo, e com seus altos e baixos.
ResponderExcluirBela reflexão sobre esse texto com suas comparações, querido Paulo Pupo. Infelizmente a ARTE está desprezada em todas as suas extensões, pela maioria das pessoas mas enquanto houver alguém que como nós a valoriza , acredito que um dia volte a ter seu lugar de honra nesse plano com museus, salas de teatro, bibliotecas , lotadas de pessoas sedentas de cultura.
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