OS VINTE CENTAVOS MAIS
CAROS DO MUNDO
Há algo acontecendo e tenho algo
a dizer, ainda que me condenem (inclusive eu mesmo, no futuro).
O momento é confuso e, creio eu,
ninguém sabe com certeza o que está acontecendo; de certo, mesmo, apenas que
foram os vinte centavos mais caros da história.
Mas há algo acontecendo e tenho
algo a dizer, como todo mundo. E dirijo-me principalmente àqueles que são
críticos dessas manifestações de rua que chacoalham o país, pois já ouvi e já
li de tudo, nas ruas, na imprensa, nas páginas da internet: que o movimento não
tem um foco, que precisa definir um e segui-lo, que o movimento vai abrir
espaço para baderna, para violência, que vai passar, que vai dar em ‘pizza’,
que políticos e oportunistas vão se utilizar disso tudo para se promover, que
isso pode levar a um golpe ou à instalação de uma ditadura no país... Enfim, já
ouvi de tudo, como tanta gente.
E tenho algo a dizer a respeito
do que está acontecendo, esperançoso como boa parte das pessoas que estão indo
para as ruas.
Primeiro, aos que falam que
oportunistas vão ou estão usando a população como instrumento de manobra, e que
isso desvirtua ou vai desvirtuar o movimento; bem como aos que falam que o
movimento é ‘de classe média’, que não é o povo que está indo pras ruas e que
isso tira ou reduz a legitimidade dos protestos.
Sabe-se que as massas ignorantes,
alienadas em sua maioria já que o Estado não lhes oferece uma educação adequada,
não têm condição de avaliar a dimensão do que está acontecendo; e se se importam
com isso é em função de seus interesses imediatos, que é o que lhes é possível
perceber do mundo. Não merecem reprovação por isso, não são crias de si mesmos.
São como bebês. Serão manobrados, isso me parece óbvio, e penso ser ingenuidade
acreditar que tal coisa não possa ou não vá acontecer. Mas a responsabilidade
pela movimentação de um bebê é da mão que balança o berço, não do bebê.
Os oportunistas, esses querem ser
a mão que balança o berço.
Os intelectuais, por sua vez, atônitos,
se dividem tentando entender o que está acontecendo. Aterrorizam-se em relação
ao que pode vir a acontecer de ruim ou de danoso para o país, e ao mesmo tempo
mostram-se céticos, descrentes, em relação ao que pode acontecer de bom. Discutem,
discutem e discutem. E pairam, estáticos, acima do que está acontecendo. Apontam
falhas e criticam erros, cobram rumos, foco, planos e estratégias, ao mesmo
tempo em que propõem essas coisas todas... Mas pairam, estagnados, acima do que
está acontecendo. Vejo neles uma certa dose de vaidade. Cobram líderes porque
talvez queiram ser líderes. Propõem ações mas não agem, a menos que a ação seja
a mesma que propõem; e fazendo isso, a meu ver, estão se comportando exatamente
como o que tanto criticam: os manipuladores das massas. Antes dessa agitação se
vangloriavam como ‘formadores de opinião’; e o que seria isso, senão mais uma
forma de manipulação? Se outro que não eles fazem a mesma coisa é manipulação,
mas se são eles estão apenas sendo ‘formadores de opinião’?
E nós nisso tudo? Nós,
bem-intencionados, espremidos e encurralados por massas ignorantes, por
oportunistas, por uma intelectualidade inerte e por um Estado que está longe de
ser legítimo. E nós?
Devemos nos calar porque o movimento
‘não tem um foco definido’? Devemos nos paralisar porque há risco de violência,
de golpe de Estado, de ditadura? Devemos continuar levando nossas vidas, espremidos
e encurralados, porque ‘as massas não estão participando’?
Ora, estou tenso, eufórico, temeroso,
inseguro, confuso, como talvez a maioria das pessoas; entre ameaças de
manipulação por parte da esquerda e da direita, da intelectualidade e da
ignorância, da civilização e da barbárie; entre teorias conspiratórias, fofocas,
distorções e mal-entendidos; entre o presente e o futuro, entre o eu e o mundo,
entre o aqui e o além.
Mas devemos voltar pra dentro de
casa e esperar que as coisas aconteçam? Já não fizemos o bastante disso, além e
muito além da exaustão?
Estou orgulhoso do que está
acontecendo, ainda que não se possa definir a dimensão exata do que estamos
presenciando; e esse orgulho me leva, também, a ficar esperançoso em relação ao
que ainda pode vir a acontecer.
Falam que ‘perdemos o foco’, que
precisamos ‘estabelecer um foco’. São cegos? Ou são hipócritas? Querem um foco
definido com a precisão exigida pelos acadêmicos e pelos burocratas? Querem uma
‘plataforma’, quando os próprios ‘líderes’ (que não considero como tais, e nem
mesmo como representantes) não nos apresentam uma? Querem um movimento de rua
que se porte como um desfile ou como um estudante perante uma banca examinadora
que defina o que pode ou deve ser feito? Querem um avião que corra sobre
trilhos? Querem um rio que planeje seu curso antes de começar a correr para o
mar? Se for isso, realmente não temos um ‘foco’. E a esses, cegos ou
hipócritas, eu digo o seguinte: não estamos protestando contra isso ou aquilo,
especificamente, não se trata ‘só’ dos vinte centavos ou da PEC 37 ou de outra
coisa qualquer. O foco primordial é um só, o recado fundamental é um só, para
toda a classe política e não para esse ou aquele partido ou ‘líder’: estamos
aqui, e cansados de tanta bandalheira. Nós é que mandamos, não vocês. Vocês vivem
à custa do nosso dinheiro, não somos nós que dependemos de vocês, é o
contrário. Vocês devem nos servir, não nós a vocês. Chega de nos perturbar e
atrapalhar com seus conchavos, sua incompetência e sua ineficiência, com o seu
descaso para conosco, com a sua demagogia interesseira e inescrupulosa.
Esse é o foco.
A comparação entre os ‘vinte
centavos’ e a ‘gota d’água é extremamente pertinente, e tem duplo significado. Fez o líquido entornar, mas não de um copo, e
sim de um açude inteiro; mas também movimentou todas as milhares de outras
gotas d’água do açude inteiro, a ponto de transformá-lo num rio, e é isso que
somos. Um rio. Estamos buscando e correndo em direção à grandiosidade do mar. Procurando,
contornando, removendo, desgastando, aplainando. Milhares de gotas d’água
unidas num único e espontâneo movimento. E querem que o rio corra pelo trajeto
que eles, os ‘líderes’, definem? Querem que o rio corra por canos, para que não
sejam perturbados ou para que possam definir seu curso? Espero, sinceramente,
que não consigam fazer isso, mesmo sabendo que tal coisa provavelmente há de
acontecer, já que há, dentro do próprio movimento, elementos que pensam assim. A
esses, eu gostaria de dizer que deveriam conscientizar-se de que somos um rio,
e que os que se dizem ‘líderes’ são somente peixes, sustentados pelo rio, vivos
em função do rio, existentes graças ao rio; e que não são os peixes que definem
o curso do rio.
E aos que reclamam da falta de
lideranças no movimento, que o criticam por causa disso, que cobram o
aparecimento de ‘líderes’, eu gostaria de dizer que, a meu ver, estão avaliando
mal a situação. Somos milhares de rostos anônimos, satisfeitos e contentes por
sermos milhares de rostos anônimos. O recado das ruas é este também. Estamos justamente
dizendo que não queremos mais líderes, que nos cansamos de nos curvar e
obedecer, que queremos ser, nós mesmos, os senhores absolutos sobre as nossas
próprias vidas, que queremos mandar, que queremos que os ‘líderes’ sejam
representantes e não líderes, que sejam nossos empregados e que se comportem
como tal.
E para concluir, tomando por base
o slogan amplamente difundido nas ruas de que “o gigante acordou”, eu diria que
não é bem assim, que não acho que estamos despertando e nem querendo despertar o
gigante adormecido. Estamos simplesmente querendo extirpar do berço esplêndido
os cupins que o corroem.
Parabéns pelo texto!
ResponderExcluirMuito bom. Exatamente o que eu penso.
ResponderExcluirParabém Paulo, seu texto é excelente.
ResponderExcluirEstou compartilhando sua pagina.
Sucesso.
Me orgulho e me considero uma garota de sorte por ter você como professor! Te admiro muito Pupo e tenho certeza que se todos os professores fossem iguais a você os jovens iriam pra escola com muita vontade, com muito gosto. Obrigada por ser esse exemplo de pessoa, você é incrível! Um super beijo, Ana Vitória E.
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