23 de junho de 2013

Vinte Centavos


OS VINTE CENTAVOS MAIS CAROS DO MUNDO

Há algo acontecendo e tenho algo a dizer, ainda que me condenem (inclusive eu mesmo, no futuro).

O momento é confuso e, creio eu, ninguém sabe com certeza o que está acontecendo; de certo, mesmo, apenas que foram os vinte centavos mais caros da história.

Mas há algo acontecendo e tenho algo a dizer, como todo mundo. E dirijo-me principalmente àqueles que são críticos dessas manifestações de rua que chacoalham o país, pois já ouvi e já li de tudo, nas ruas, na imprensa, nas páginas da internet: que o movimento não tem um foco, que precisa definir um e segui-lo, que o movimento vai abrir espaço para baderna, para violência, que vai passar, que vai dar em ‘pizza’, que políticos e oportunistas vão se utilizar disso tudo para se promover, que isso pode levar a um golpe ou à instalação de uma ditadura no país... Enfim, já ouvi de tudo, como tanta gente.

E tenho algo a dizer a respeito do que está acontecendo, esperançoso como boa parte das pessoas que estão indo para as ruas.

Primeiro, aos que falam que oportunistas vão ou estão usando a população como instrumento de manobra, e que isso desvirtua ou vai desvirtuar o movimento; bem como aos que falam que o movimento é ‘de classe média’, que não é o povo que está indo pras ruas e que isso tira ou reduz a legitimidade dos protestos.

Sabe-se que as massas ignorantes, alienadas em sua maioria já que o Estado não lhes oferece uma educação adequada, não têm condição de avaliar a dimensão do que está acontecendo; e se se importam com isso é em função de seus interesses imediatos, que é o que lhes é possível perceber do mundo. Não merecem reprovação por isso, não são crias de si mesmos. São como bebês. Serão manobrados, isso me parece óbvio, e penso ser ingenuidade acreditar que tal coisa não possa ou não vá acontecer. Mas a responsabilidade pela movimentação de um bebê é da mão que balança o berço, não do bebê.

Os oportunistas, esses querem ser a mão que balança o berço.

Os intelectuais, por sua vez, atônitos, se dividem tentando entender o que está acontecendo. Aterrorizam-se em relação ao que pode vir a acontecer de ruim ou de danoso para o país, e ao mesmo tempo mostram-se céticos, descrentes, em relação ao que pode acontecer de bom. Discutem, discutem e discutem. E pairam, estáticos, acima do que está acontecendo. Apontam falhas e criticam erros, cobram rumos, foco, planos e estratégias, ao mesmo tempo em que propõem essas coisas todas... Mas pairam, estagnados, acima do que está acontecendo. Vejo neles uma certa dose de vaidade. Cobram líderes porque talvez queiram ser líderes. Propõem ações mas não agem, a menos que a ação seja a mesma que propõem; e fazendo isso, a meu ver, estão se comportando exatamente como o que tanto criticam: os manipuladores das massas. Antes dessa agitação se vangloriavam como ‘formadores de opinião’; e o que seria isso, senão mais uma forma de manipulação? Se outro que não eles fazem a mesma coisa é manipulação, mas se são eles estão apenas sendo ‘formadores de opinião’?

E nós nisso tudo? Nós, bem-intencionados, espremidos e encurralados por massas ignorantes, por oportunistas, por uma intelectualidade inerte e por um Estado que está longe de ser legítimo. E nós?

Devemos nos calar porque o movimento ‘não tem um foco definido’? Devemos nos paralisar porque há risco de violência, de golpe de Estado, de ditadura? Devemos continuar levando nossas vidas, espremidos e encurralados, porque ‘as massas não estão participando’?

Ora, estou tenso, eufórico, temeroso, inseguro, confuso, como talvez a maioria das pessoas; entre ameaças de manipulação por parte da esquerda e da direita, da intelectualidade e da ignorância, da civilização e da barbárie; entre teorias conspiratórias, fofocas, distorções e mal-entendidos; entre o presente e o futuro, entre o eu e o mundo, entre o aqui e o além.

Mas devemos voltar pra dentro de casa e esperar que as coisas aconteçam? Já não fizemos o bastante disso, além e muito além da exaustão?

Estou orgulhoso do que está acontecendo, ainda que não se possa definir a dimensão exata do que estamos presenciando; e esse orgulho me leva, também, a ficar esperançoso em relação ao que ainda pode vir a acontecer.

Falam que ‘perdemos o foco’, que precisamos ‘estabelecer um foco’. São cegos? Ou são hipócritas? Querem um foco definido com a precisão exigida pelos acadêmicos e pelos burocratas? Querem uma ‘plataforma’, quando os próprios ‘líderes’ (que não considero como tais, e nem mesmo como representantes) não nos apresentam uma? Querem um movimento de rua que se porte como um desfile ou como um estudante perante uma banca examinadora que defina o que pode ou deve ser feito? Querem um avião que corra sobre trilhos? Querem um rio que planeje seu curso antes de começar a correr para o mar? Se for isso, realmente não temos um ‘foco’. E a esses, cegos ou hipócritas, eu digo o seguinte: não estamos protestando contra isso ou aquilo, especificamente, não se trata ‘só’ dos vinte centavos ou da PEC 37 ou de outra coisa qualquer. O foco primordial é um só, o recado fundamental é um só, para toda a classe política e não para esse ou aquele partido ou ‘líder’: estamos aqui, e cansados de tanta bandalheira. Nós é que mandamos, não vocês. Vocês vivem à custa do nosso dinheiro, não somos nós que dependemos de vocês, é o contrário. Vocês devem nos servir, não nós a vocês. Chega de nos perturbar e atrapalhar com seus conchavos, sua incompetência e sua ineficiência, com o seu descaso para conosco, com a sua demagogia interesseira e inescrupulosa.

Esse é o foco.

A comparação entre os ‘vinte centavos’ e a ‘gota d’água é extremamente pertinente, e tem duplo significado.  Fez o líquido entornar, mas não de um copo, e sim de um açude inteiro; mas também movimentou todas as milhares de outras gotas d’água do açude inteiro, a ponto de transformá-lo num rio, e é isso que somos. Um rio. Estamos buscando e correndo em direção à grandiosidade do mar. Procurando, contornando, removendo, desgastando, aplainando. Milhares de gotas d’água unidas num único e espontâneo movimento. E querem que o rio corra pelo trajeto que eles, os ‘líderes’, definem? Querem que o rio corra por canos, para que não sejam perturbados ou para que possam definir seu curso? Espero, sinceramente, que não consigam fazer isso, mesmo sabendo que tal coisa provavelmente há de acontecer, já que há, dentro do próprio movimento, elementos que pensam assim. A esses, eu gostaria de dizer que deveriam conscientizar-se de que somos um rio, e que os que se dizem ‘líderes’ são somente peixes, sustentados pelo rio, vivos em função do rio, existentes graças ao rio; e que não são os peixes que definem o curso do rio.

E aos que reclamam da falta de lideranças no movimento, que o criticam por causa disso, que cobram o aparecimento de ‘líderes’, eu gostaria de dizer que, a meu ver, estão avaliando mal a situação. Somos milhares de rostos anônimos, satisfeitos e contentes por sermos milhares de rostos anônimos. O recado das ruas é este também. Estamos justamente dizendo que não queremos mais líderes, que nos cansamos de nos curvar e obedecer, que queremos ser, nós mesmos, os senhores absolutos sobre as nossas próprias vidas, que queremos mandar, que queremos que os ‘líderes’ sejam representantes e não líderes, que sejam nossos empregados e que se comportem como tal.

E para concluir, tomando por base o slogan amplamente difundido nas ruas de que “o gigante acordou”, eu diria que não é bem assim, que não acho que estamos despertando e nem querendo despertar o gigante adormecido. Estamos simplesmente querendo extirpar do berço esplêndido os cupins que o corroem.

4 comentários:

  1. Parabém Paulo, seu texto é excelente.
    Estou compartilhando sua pagina.
    Sucesso.

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  2. Me orgulho e me considero uma garota de sorte por ter você como professor! Te admiro muito Pupo e tenho certeza que se todos os professores fossem iguais a você os jovens iriam pra escola com muita vontade, com muito gosto. Obrigada por ser esse exemplo de pessoa, você é incrível! Um super beijo, Ana Vitória E.

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